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Postado por admin em 15/mar/2016 -

(publicado no “site” www.conjur.com.br, em 13 de fevereiro de 2007)

 

Edson Pereira Belo da Silva, advogado, professor de processo penal, autor de obra jurídica, pós-graduado em direito, membro da Comissão de Prerrogativas da OAB/SP, articulista, conferencista e palestrante ([email protected]).

 

A sociedade assistiu atônita mais um trágico capítulo do infindável seriado “Guerra Civil Brasileira”, que nos apresentou na última semana (de 05 a 10 de fevereiro de 2007) o trágico fim de uma inocente criança de seis anos, Hélio João Fernandes, impiedosamente arrastada, por 7 k/m, pelas ruas da ainda “cidade maravilhosa” sob os olhares entristecidos e pasmos do público. (1) No mesmo capítulo, viu-se também o drama da vítima de tentativa de homicídio, major brigadeiro José Elias Matieli, Diretor de Saúde da Aeronáutica, o qual foi atingido por dois disparos de armas de fogo, dentro da viatura militar, no Centro Rio. O capítulo revelou, ainda, o violento confronto armado entre a milícia – formada por policiais e ex-policias – e traficantes de velha facção criminosa em favelas fluminense, resultando em vários óbitos, inclusive de moradores inocentes.

Lamentamos, profundamente, todos estes horrendos crimes, sobretudo o que vitimou a criança. Mas, há que lamentarmos ainda outros delitos horríveis, como, por exemplo, aqueles que resultaram no incêndio de um ônibus coletivo (29 de novembro de 2005, cinco mortos) e outro de viagem (29 de dezembro de 2006, sete mortos), o qual vitimou várias pessoas que morreram carbonizadas.  Para identificá-las, foi preciso fazer o exame de DNA, depois que os parentes forneceram material para tanto. Por coincidência, tais casos também foram no Rio de Janeiro. (2) Contudo, quando a violência é extrema ou chocante, São Paulo não fica atrás. Em 11 de dezembro último, no Município da Bragança Paulista, uma família foi queimada dentro do seu próprio veículo (inclusive a criança de cinco anos), após ser assaltada e seqüestrada. (3) Não nos esqueçamos dos mais de cem ataques promovidos por determinada facção criminosa, em maio de 2006, por todo Estado paulista.

 

Citamos somente mais esses três fatos, comoventes, trágicos e recentes, para demonstrar que nada parece mudar ou tem mudado, apesar do alto grau das atrocidades ou monstruosidades urbanas reveladas nestes atos. Do ponto de vista político-governamental, nem mesmo um fio de esperança ou uma luz no fim do túnel.

 

O que se tem na verdade, e há muito, são palavras ao vento (promessas), advindas de todas as esferas de Governo.

 

No entanto, o que mais indigna a sociedade é o oportunismo e, sobremaneira, a hipocrisia política, que se aliam aos não poucos programas televisivos (“exploradores da violência”) para propagar o endurecimento das penas e a redução da menoridade penal.

 

A retórica é sempre a mesma. Basta que determinados crimes hediondos ganhem a opinião pública para alguns formadores de opinião e representantes do povo, todos hipócritas, se juntem em um só coro para não reconhecer as suas ineficiências ou erros, as suas substanciais contribuições para o aumento da violência, enfim, que as suas opiniões estão na contramão da efetiva política criminal.

 

Os que pregam a ampliação da penas e a redução da menoridade penal deveriam pregar no deserto. A questão é subjetiva e não objetiva, ao contrário do que tentam demonstrar os hipócritas. Do jeito que as coisas caminham, outros casos semelhantes ou mais horrendos voltaram a acontecer, e eles retornaram com o mesmo discurso e com a mesma pompa.

 

A hipocrisia é tamanha que até parece ser a Lei – figura meramente abstrata, que necessita da ação humana para materializar-se – a única responsável pelos inacreditáveis números negativos da violência, os quais superam até mesmo números de Guerras reais. Poder-se-ia dizer que a Lei tornou-se o “bode expiatório”: quando nada dá certo ou algo sai errado ela é a culpada.

 

Mesmo assim, alterando-se a Lei, revogando-a na sua integralidade ou substituindo-a por outra mais dura, verificou-se que, no âmbito penal, a violência não foi contida, sequer foi reduzidas a números aceitáveis pela Organização das Nações Unidas. O exemplo maior disso foi a Lei dos Crimes Hediondos (n.º 8.072/90). Atualmente, o cenário de violência é cada vez mais desolador e alarmante, a ponto de milícias (poder paralelo) substituírem as forças de segurança dos Estados.

 

Buscar na suposta “fragilidade da lei penal” uma saída para tentar justificar a própria incapacidade de gerir as relevantes atividades essenciais do Estado é reconhecer, a nosso ver, que o Poder Legislativo continua pecando como sempre e a criminalidade é mesmo organizada, conforme as Leis assim adjetivaram (ns.º 9.034/95 e 10.217/01), ao passo que o Estado, em matéria de segurança, é desorganizado.

 

Pena morte, prisão perpetua, trabalhos forçados, etc., afloram das infinitas inconsciências políticas quando a opinião pública se mobiliza para reprovar determinadas ações delituosas hediondas. Quando um dos envolvidos em tais crimes é menor de dezoito anos, regata-se do baú da hipocrisia a diminuição da menoridade criminal. E assim ficamos com o mesmo enredo ou com um samba de uma nota só.

 

Os principais constitucionalistas, juristas, cientistas políticos, sociólogos, jornalistas, clérigos e, sobretudo, o próprio Supremo Tribunal Federal, já se manifestaram, reiteradamente, desaprovando qualquer mudança normativa para reduzir a menoridade penal e majorar as penas. A problemática não está na norma jurídica, mas na ausência de inúmeras políticas corretas e eficazes dos governos de ontem e de hoje.

 

Substituir o Ministro da Justiça, os comandantes militares ou os Secretários da Segurança Pública das Unidades Federativas é tentar encontrar outro responsável, ou responsáveis, pelo problema da insegurança generalizada.

 

A impressão que temos é que enquanto a segurança pública for gerida por amadores – ou por pessoas com o escopo de satisfazer os próprios e os alheios interesses políticos em detrimento da sociedade, a qual jurou bem servir –, o centenário “bloco da incompetência da segurança pública” continuará desfilando no grupo especial do “carnaval da hipocrisia”, cujo samba enredo é sempre o mesmo: “a lei inocente é culpada e os políticos culpados são inocentes”.

 

E o que nos chama mais a atenção é que parte considerada da sociedade ou a sua maioria, tem caído nessa “hipócrita folia”, indo constantemente às ruas e praças, devidamente paramentada, para exigir mudanças, quando na realidade a própria sociedade não muda ou gosta de poucas mudanças. Aqui, o adágio é outro: “Não se mexe em time que está perdendo”.

    

Talvez seja por isso que o referido “bloco” não altera o tema para os próximos desfiles carnavalescos na passarela dos hipócritas. É sempre o mesmo, assim como os seus componentes.

 

Segundos os números oficiais do Ministério da Justiça, por sua Secretaria Nacional de Segurança Pública, existem no Brasil quase seiscentos mil policiais, incluindo-se nessa estatística os bombeiros militares, exceto os guardas municipais. (4) Se esse número é ou não suficiente para combater a crescente criminalidade não vem exatamente ao caso em tela, pois o que sempre se almejou foi qualidade e a efetividade na prestação desse relevante serviço (direito) social que é a segurança, conforme artigo 6.º, “caput”, da Constituição Federal.

 

Não é endurecendo a legislação penal e muito menos punir os adolescentes como adultos, ou ainda aumentar consideravelmente o efetivo das inúmeras polícias que solucionaremos tormentosa questão. Ademais, a Carta da República, em seu artigo 144, criou tantas polícias e guarda municipal, bem como definiu as suas competências, que, apesar disso, ainda sim sentimo-nos inseguros ou desprotegidos.

 

Importante enfatizar, que o contingente da segurança privada no Brasil é o dobro da segurança pública nacional. Segundo criterioso e substancial trabalho do Centro de Estudo da Criminalidade e Segurança Pública da Universidade Federal de Minas Gerais, divulgado em 2006, estão cadastrado na Polícia Federal (órgão fiscalizador) 1.309,74 seguranças. (5)

 

Esse aludido número só demonstra que a falta de zelo ou desinteresse pela segurança pública, aliada a hipocrisia, é lucro certo para centenas de empresários do ramo da segurança privada. Vale ressaltar, que muito destes estão ligados à política e, principalmente, à segurança oficial. A violência, portanto, interessa a alguns porque gera altos recursos.

 

Depois da campanha do desarmamento e a extrema impossibilidade de se registrar uma arma, já que o porte é restrito, passou-se a falsa impressão de que a segurança melhoraria com tais medidas. Mas, por incrível que possa parecer ou simples coincidência, a situação só se agravou. Não se sabe ao certo se isso tem alguma relação de casualidade, porém desperta atenção.

 

O final de 2005 e todo ano de 2006 foram marcantes em relação à violência urbana, sobretudo quanto ao controle do Estado por facção criminosa organizada, cujos lideres encontravam-se presos. Atingiram-se números jamais esperados.

 

Não obstante, o ano de 2007 inicia-se da mesma forma que terminou 2006, consoante mostramos nos primeiros parágrafos deste artigo: muita violência gratuita e quase nenhuma perspectiva de combate e controle efetivo da criminalidade. A responsabilidade por isso sequer pode ser divida com o Poder Judiciário, o qual tem condenado severamente, negado quase que todos os recursos penais, “hábeas corpus” ou pedido de liberdade provisória, revisões criminais, etc. há uma ou outra distorção aqui ou ali, mas nada que permita dizer ser a Justiça responsável. Ela não faz as leis, apenas aplica-as.

 

O Judiciário do Estado de São Paulo, notadamente os magistrados das Varas e Câmaras Criminais (primeira e segunda instância respectivamente), é tido como um dos mais rígidos na aplicação da pena, tanto que muitos defensores apelidaram determinadas Câmaras Criminais do Tribunal de Justiça paulista como “Câmara de Gás”.

   

 É claro que a aplicação do princípio da proporcionalidade da pena, há muito, deixou de ser uma simples discussão doutrinária para se tornar uma preocupação da própria Justiça, tendo em conta o elevado número de processo penais originários do notório aumento da violência, sendo boa parte destes feitos criminais de acusados reincidentes. Lembremos que não é o Judiciário o Poder competente para recuperar os condenados à pena privativa de liberdade.

 

Assinale, todavia, que não estamos fazendo uma espécie de defesa do Poder Judiciário, senão uma observação essencial de que o Poder Executivo e Legislativo são os principais, ou únicos, atores desse infindável seriado “Guerra Civil Brasileira”, que nada fica a dever ao filmes de terror do famoso cineasta britânico, Alfred Hitchcock.

 

Tanto é político o problema da segurança pública, que ex-Secretário Nacional da Segurança Pública, cientista político Luiz Eduardo Soares, em entrevista ao “site” da BBC Brasil, (6) em 02 de agosto de 2004, foi categórico ao asseverar que o governo federal “evita se envolver com a questão, já que constitucionalmente a segurança pública é de responsabilidade dos Estados”.

 

Destarte, causa repulsa a seguinte observação feita pelo mencionado ex-Secretário na sobredita entrevista: “Dado que há uma concepção fatalista de que esse tema não se resolve e é apenas fonte de desgaste, o presidente prefere deixá-lo para os governadores, e lavar as mãos”. “Se o presidente chama o problema para si e se engaja no plano (nacional de segurança pública apresentado na campanha), ele estará assumindo a responsabilidade. É um risco muito grande, mas, sem assumir esse risco, não teremos mudança.”

 

Luiz Eduardo Soares permaneceu no cargo que ocupou somente por 10 meses.

 

Portanto, percebe-se que o enfrentamento do problema que há décadas nos atormenta profundamente, está longe de ser prioridade para os nossos representantes. Para eles é muito mais cômodo e salutar utilizar o discurso da hipocrisia, prometendo substanciais modificações na lei penal e, por vezes, mais recursos para a área de segurança.

 

Aprovar um pacote de leis penais ou liberar verbas, até então contingenciadas, no momento delicado em que a sociedade indignada está exigindo severas punições para os últimos acontecimentos atrozes, é mostrar que pouco se pode fazer ou tem sido feito e que não existe plano algum para conter a progressão da violência.    



(1) Noticia publicada no “site” www.oglobo.globo.com.br, em 07 de fevereiro de 2007.

(2) Noticia publicada no “site” www.estadao.com.br, em 29 de dezembro de 2006, Caderno Cidade. Vide também www.folha.com.br/codidiano, de 30 de novembro de 2005.

(3) Noticia publicada no “site” www.estadao.com.br, em 12 de dezembro de 2006, Caderno Cidade.

(4) Dados colhidos no “site” www.mj.gov.br/senasp/estatistica/efetivo. Estatísticas publicadas em agosto de 2004.

(5) Monografia de Fernando da Cruz Coelho, intitulado “Analise Institucional da Segurança Privada: Um Estudo Comparado”. p. 33.