(publicado
no “site” www.conjur.com.br, em 12 de abril de 2007)
Edson
Pereira Belo da Silva, advogado,
professor de processo penal, autor de obra jurídica, pós-graduado em
direito, membro da Comissão de Prerrogativas da OAB/SP, articulista,
conferencista e palestrante ([email protected]).
Edson
Pereira Belo da Silva, advogado, pós-graduado em direito, professor
de processo penal, autor de inédita obra jurídica, membro
da Comissão de Prerrogativas da OAB/SP, articulista, conferencista
e palestrante ([email protected]).
A
Constituição Federal de 1998, em seu artigo 1.º,
§ 1.º, é clara ao reconhecer que “todo poder
emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”,
nos termos desta Carta. Mas isso infelizmente não se materializa,
em especial no Poder Judiciário, onde não há eleição
para os cargos e sim concurso (artigo 37, inciso II, da CF).
No
Brasil, o Poder Judiciário, que interfere diretamente, quando
acionado, nas decisões dos outros Poderes representativos, não
se submete às urnas, ao voto popular. Seus membros, em regra,
são oriundos da “nata” da sociedade elitista, que
desconhece, na prática, às principais dificuldades diárias
enfrentadas pela massa, ou seja, pela maioria esmagadora da nossa população.
Os dados sobre a “cara” magistratura brasileira foram revelados
pela Pesquisa 2005 realizada pela Associação dos Magistrados
Brasileiros – AMB (84 páginas), sob a brilhante coordenação
da renomada Professora Maria Tereza Sadek.
Além
de praticamente inexistir representatividade popular no Judiciário,
o povo, pessoas comuns, deve se submeter a ele, por força de
lei. No entanto, os magistrados que julgam os comuns não estão
submetidos ao julgo Tribunal Popular, seja qual for os crimes que venham
praticar. O Júri é apenas para pessoas mortais, sem foro
privilegiado. Nasce daí, também, a luta pela ampliação
da competência dessa milenar instituição.
É
realmente uma situação surrealista: o povo, detentor de
todo o poder, conforme frisamos na abertura, não pode julgar
àquelas autoridades que dizem representá-lo, note-se:
(i) Presidente e Vice-Presidente da República, (ii) Deputados
federais, (iii) Senadores, (iv) Ministros do supremo Tribunal Federal,
(v) Procurador-Geral da República, (vi) Ministros de Estados,
(vii) Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica,
(viii) membros dos Tribunais Superiores, (ix) Ministros dos Tribunais
de Contas da União, (x) os chefes de missão diplomática
de caráter permanente. “Vide” artigo 102, inciso
I, alíneas “b” e “c”, da Carta da República.
E
não é só. Ainda no âmbito federal, essa mesma
Lei Maior (ver artigo 105, inciso I, alínea “a”)
também privilegia o foro para: (i) Governadores dos Estados e
Distrito Federal, (ii) Desembargadores dos Tribunais de Justiça
dos Estados e Distrito Federal, (iii) membros dos Tribunais de Contas
dos Estados e Distrito Federal, (iv) os Juízes dos Tribunais
Regionais Federais, (1) (v) dos Tribunais Regionais Eleitorais e do
Trabalho, (vi) membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios,
(vii) e os do Ministério Público da União, que
oficiem perante tribunais.
Já
os (i) juízes federais, (ii) da Justiça Militar e da (iii)
Justiça do Trabalho, bem como os (iv) membros do Ministério
Público da União, ressalvada a competência da Justiça
Eleitoral, são julgados pelos Tribunais Regionais Federais, artigo
108, inciso I, alínea “a”, da CF.
Por
sua vez, as Constituições dos Estados, de igual forma,
privilegia o foro para: (i) Vice-Governador, Prefeitos Municipais, (ii)
Deputados estaduais, (iii) Juízes dos Tribunais de Justiça
Militar, Juízes de direito e substituto dos Tribunais de Justiça,
(iv) membros dos Ministérios Públicos dos Estados, (v)
Secretários estaduais, (vi) Procurador-Geral do Estado, (vii)
Defensor Público Geral, (viii) Delegado Geral da Polícia
Civil, (ix) Comandante-Geral da Polícia Militar. Na Carta paulista,
o foro privilegiado vem previsto no artigo 74, incisos I e II.
Vislumbra-se
dessa modesta exposição de autoridades “imortais”
– tidas como representantes do povo – que ao Júri
só restou mesmo o julgamento de pessoas do seu meio ou do seu
convívio. Ao povo somente é dado votar e contribuir muito,
até com a própria vida, sem obter a contraprestação
mínima e razoável.
É
vergonhoso ver esse cenário onde as principais autoridades do
país se esquivam, literalmente, do julgamento pelo Tribunal Popular
nos crimes comuns e de corrupção ou responsabilidade.
Talvez seja por essa razão que muitos querem a supressão
do Júri para que, jamais, exista qualquer possibilidade de se
submeterem ao julgamento feito pelo povo.
Os
doutores desavisados sustentam que a competência do Júri
está restrita aos tipos penais dos artigos 121 a 127, do Código
Penal, tendo em conta o disposto no artigo 5.º, inciso XXXVIII,
alínea “d”, da Carta da República. Destarte,
a competência do referido Tribunal ditada pela Constituição
é “mínima”, de sorte que pode ser ela ampliada
para que outros delitos venham ser julgados pelo Tribunal do Júri.
Aliás, essa tormentosa questão – ampliação
de competência – foi recentemente enfrentada em obra de
fôlego deste mesmo articulista, (2) onde citamos, inclusive, projetos
de lei com o fim de ampliar tal competência.
Quanto
ao atendimento dos princípios da celeridade processual e economia
processual, o Júri também os preenche, sobretudo pela
“soberania dos veredictos”, a qual impede a reforma da decisão
dos jurados pelo Tribunal de Justiça, mas possibilita que esta
Corte de Justiça anule o julgamento para que outro seja realizado
(artigo 593, do Código de Processo Penal) ou, ainda, readeque
a pena aplicada.
Entretanto,
a ampliação da competência está, sobremaneira,
fundada na participatividade efetiva e aplicação direita
da Justiça, o que não é um sonho ou uma utopia
para a população como eventualmente se possa cogitar,
mas uma realidade. O Tribunal do Júri nesse aspecto, por exemplo,
reflete o princípio democrático desejado pela Constituição
da República, onde o povo deve dizer o direito, ou seja, aplica
diretamente a Justiça ao caso em concreto.
Importante
enfatizar, que o Tribunal Popular, no Brasil, é composto por
sete cidadãos tirados do seio social, os quais, além de
ecléticos, são de classes distintas (negro, pardo, amarelo
e branco, homem e mulher, jovem e idoso), possuem condições
financeiras variadas, assim como uma gama de conhecimento formada também,
e especialmente, na experiência de vida.
Dizer
que o povo não sabe julgar é desconhecer o próprio
direito, positivo e natural, dado que para se fazer ou aplicar à
justiça é preciso que se demonstre muito mais “consciência”
do que “ciência”. E nem se diga que o Júri
comete erros, por que os seus erros não são maiores do
que aqueles praticados pelos juízes togados. Para se comprovar
isso, basta acessar um “site” de busca e pesquisar “erro
judiciário”.
O
Júri, sim, possibilita a participação do povo,
o qual representa de forma direita o Poder Judiciário. Não
temos dúvida de que chegou o momento se ampliar a competência
dessa milenar instituição para julgar mais tipos penais
e os processos de responsabilidade civil estatal, sendo que atualmente
ela está encarregada de julgar somente os crimes dolos contra
a vida (homicídio, auxílio e instigação
ao suicídio, aborto e infanticídio), infelizmente. É
esse o melhor caminho para se atingir a democracia plena: o povo no
poder. (3)
Vale
assinalar, contudo, que a Justiça atual é implacável
com quem é acusado de furtar um pacote de manteiga, xampus e
coisas insignificantes, enquanto que, com pessoas acusadas de cometeram
crimes tidos como hediondos e graves, age diferentemente, concedendo
até liberdade provisória, por exemplo: (i) o caso do promotor
de justiça que é acusado de matar um e tentar matar outro
no litoral paulista, em dezembro de 2004, por motivos banais;
(ii)
o caso da Suzana Richithofen, acusada de arquitetar a morte dos pais
juntamente com outras pessoas, que obteve liberdade provisória,
por muitas vezes negadas aos acusados de subtrair um pote de manteiga
ou coisas de irrisório valor se comparado com o bem jurídico
liberdade;
Em
outras palavras, a Justiça da atualidade é severa ao extremo
com os carentes de recursos financeiros, com os não brancos na
maioria das situações, mas deixa muito a desejar em relação
aos ricos, políticos e governantes, tanto que da corrupção
política que assola ou assolou o país, denominada de “mensalão”,
ninguém ainda foi preso ou condenando.
Não
existem duas ou mais Justiça. Ela é uma só, de
maneira que deve ser aplicada a todos, indistintamente. Se o promotor
de justiça e a Suzana Richithofen, acima citados, foram beneficiados
com a liberdade provisória em crimes hediondos e graves, qual
a razão para negar-se esse mesmo benefício legal a quem
furtou um pote de manteiga no valor de R$ 3,10 (fato esse notório
e que chocou o país no mês de março de 2006).
Um país verdadeiramente democrático, a nosso pensar, não
impede e nem restringe a participação popular na aplicação
da Justiça, como vem ocorrendo. Esses atos ou intenções
poderão resultar em um “golpe” contra a democracia.
Para aqueles que não acreditam no Tribunal do Júri num
Estado democrático, aconselhamos consultar à Constituição
Americana, onde até o Presidente se submete ao Tribunal Popular,
exceto no caso do processo de “impeachment”. (4)
O
Júri nos Estados Unidos é muito mais que uma tradição,
é garantia para todos, indistintamente, isto é, até
para as autoridades. Isso por que, lá não se admite que
o agente público, acusado de um crime, tenha um privilégio
que o cidadão comum, contribuinte, não tem. É a
igualdade na sua mais perfeita plenitude. O Tribunal Júri é
para todos.
Os
americanos também não aceitam a idéia de que determinada
autoridade, que venha subtrair recursos públicos ou atentar contra
a vida de uma pessoa, seja julgada por um Tribunal especial, onde a
influência política impera e tende a corromper, além
de eventualmente direcionar o julgamento.
O
Brasil, como é notório, importa muitas idéias e
coisas dos americanos, porém o espírito democrático
e republicano das instituições norte-americanas não
interessa ao nosso modelo, isso na visão retrograda das dezenas
de autoridades que gozam do maldito foro privilegiado (sinônimo
de impunidade).
Aqueles
que depõem contra a instituição do Júri
não aceitam a real democracia, existente apenas no papel, por
que sabem que o julgo popular é imperdoável, assim como
os jurados são incomunicáveis e sua decisão é
soberana. O Tribunal do povo pratica a autêntica Justiça.
No atual quadro, afirmamos com segurança que todos acusados,
sem foro privilegiado, têm preferência pelo Júri.
Eles sabem que o juiz togado desconhece a realidade, ao passo que os
jurados convivem com ela diariamente. O universo do magistrado é
diverso do jurado.
Julgar
as dezenas autoridades especificadas acima é um anseio de toda
sociedade que por elas são representadas, mas, para tanto, é
preciso aprovar leis (leis complementar, ordinário e emenda constitucional)
que permitam isso, uma vez que o nosso regime jurídico exige
o efetivo cumprimento do principio da legalidade. Mas, como modificar
o ordenamento legal – para que o Júri possa julgar políticos,
magistrados, promotores, etc. – se centenas de agentes públicos
ou políticos estão “pendurados” no foro privilegiado
nos Tribunais Superiores e de Justiça?
Na realidade, nos parece que os sobreditos Tribunais se tornaram verdadeiras
Varas Criminais, haja vista que nunca se viu tantos feitos envolvendo
pessoas com o privilegio do foro.
Como
visto, motivos para ampliarmos a competência – e não
extinguir o Júri como se prega abertamente e sem qualquer fundamento
– não faltam. Todavia, os interesses escusos das autoridades
processadas dificultam isso, o que só o forte apelo popular organizado
poderá devolver ao povo o que dele tem sido retirado, paulatinamente:
o poder.
Edson Pereira Belo da Silva,
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