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Postado por admin em 15/mar/2016 -

deixou de observar à Constituição.   

(publicado no “Tribuna dos Advogados”, de Guarulhos, n.º 31, outubro de 2007, p.02)

 

Edson Pereira Belo da Silva, advogado, professor de processo penal, autor de obras jurídicas inéditas, pós-graduado em direito, Coordenador do Núcleo Guarulhos da Escola Superior de Advocacia, membro da Comissão de Prerrogativas da OAB/SP, articulista, conferencista e palestrante ([email protected]).

 

O órgão Especial do Ministério Público do Estado de São Paulo, em julgamento ocorrido no dia 29 de agosto de 2007, na sua sede, confirmou a decisão do Conselho Superior da mesma Instituição que manteve a vitaliciedade do Promotor de Justiça Thales Ferri Schoedl. Com isso, ele reveste-se do surreal foro por prerrogativa da função, blindando-se. Além do que continuará a receber os “merecidos” e intocáveis vencimentos, sem “mover uma palha”.

 

Só para lembrar, o referido promotor – agora vitalício – está sendo acusado pela Procuradoria de Justiça do MP paulista de praticar um homicídio qualificado e uma tentativa de homicídio, também qualificado, contra Diego Mendes Modanez, 20 anos (vítima fatal), e Felipe Siqueira Cunha de Souza, 21 anos (sobrevivente), durante fútil discussão, em 30 de dezembro de 2004, no Litoral Norte paulista.

 

As vítimas estavam desarmadas. Àquela que sobreviveu foi alvejada com quatros disparos, sendo que um dos projéteis ela ainda carrega no seu corpo, no fígado mais especificamente. O promotor alega legítima defesa.

 

Preso em flagrante, sem algemas e uniforme de presidiário, permaneceu ele no cárcere (Sala de Estado-Maior) por quarenta e oito dias, pois o Tribunal de Justiça paulista, por seu Órgão Especial, deferiu a liberdade provisória depois de retirar a hediondez dos crimes a ele imputados. Em outras palavras, a Corte de Justiça estadual afastou de plano a qualificadora de “motivo fútil” (artigo 121, § 2.º, inciso II, do Código Penal) dos dois delitos, tornando-os simples, não hediondo. Antecipou-se o julgamento.

 

Na época, a lei dos crimes hediondos (n.º 8.072/90) vedava a concessão de liberdade em delitos dessa natureza, de modo que essa foi uma forma teratológica que o Tribunal encontrou de não deixar um promotor preso e, ao mesmo tempo, não abrir um precedente jurisprudencial para os demais casos.

 

Um dos argumentos adotados pelo Órgão Especial do TJ, para afastar a aludida qualificadora, diz respeito ao fato de que “um homem que tenha a sua mulher chamada de gostosa tem de reagir. A lei não obriga ninguém a ser covarde (…) ninguém é obrigado a ouvir sem reação gracejo desse porte (gostosa)”. (1)

A nosso sentir, o Tribunal de Justiça agiu muito mais como um “Tribunal Político”. Encontrou-se, na realidade, uma saída para livrar do cárcere um promotor de justiça substituto, situação processual que tirava o sono do Ministério Público. Vai se confirmando, paulatinamente, a máxima de que prisão é para… A polícia, juntamente com o MP, consegue prender um dos maiores traficantes do mundo, mas não mostrar a mesma eficiência para prender o ex-promotor de justiça Igor Ferreira da Silva, fugitivo da Justiça, que matou a esposa grávida. Como diz Caetano Veloso, “alguma coisa está fora da ordem…”

O que agrava ainda mais a decisão do Ministério Público Bandeirante é o fato de os procuradores de justiça, do seu órgão Especial, julgar a questão em exame secretamente, contrariando a própria razoabilidade, posto serem eles vitalícios e “donos da ação penal”, ou seja, todos eles não tinham ou tem o que temer. Estes servidores público ou agentes políticos (também fiscais da lei), infelizmente, não podem exigir publicidade nos votos dos parlamentares, pois não fizeram a “lição de casa”.

 

Mas, a questão essencial que se depreende do caso em tela é a manifesta inconstitucionalidade da decisão proferida. Ora, a Constituição da Republica é clara: a vitaliciedade, uma da garantias dos membros do Ministério Público, só é adquirida após dois anos de exercício no cargo (artigo 128, § 5.º, inciso I, alínea “a”), sendo que para perder tal função pública faz-se necessário uma decisão judicial com trânsito em julgado. A interpretação é simplesmente literal, de modo que dispensa o comento do mais simples constitucionalista.

 

Pelo que noticia à mídia desde a data do evento delituoso, o promotor Thales, a época dos fatos, contava com um ano e três meses (2) atuando efetivamente nessa função, faltando, portanto, nove meses para alcançar a garantia da vitaliciedade, ontem referendada pelos seus pares.

 

Conclui-se, dessa forma, que no momento da pratica dos crimes, dos quais é acusado, o promotor não era vitalício, podendo, pois, ser excluído dos quadros do MP, sem a necessidade de sentença judicial transitada em julgado, como chegou até acontecer, mas forças quase sobrenaturais os reconduziram ao cargo dos vitaliciados. Isso deixa transparecer um imperialismo, que também se manifesta no Judiciário.

 

Cargo vitalício não existe em nenhuma República tida como séria. Todas as funções públicas são do povo – dono do poder, artigo 1.º, parágrafo único, da CF – que escolhe seus representantes para ocupá-las (princípio da representatividade), salvo os membros do Poder Judiciário e do Ministério Público, os quais não são democráticos, por que não eleito, e quase todos os seus membros saem das classes sociais mais ricas.

Vale anotar uma situação surreal: os juízes, representante do povo não eleitos, podem decretar a perda do mandato daqueles que foram legitimamente eleitos, ao passo que os membros do Legislativo ou do Executivo não possuem esse mesmo poder, o que revela a existência de um “hiper poder”. Autonomia e harmonia entre os três Poderes nunca existirá a persistir esse quadro surrealista.

 

O sistema como posto, só pode mesmo produzir estas monstruosidades (excessos de injustiças, desigualdades sociais), cujos governantes resistem em não mudar. Só mesmo revivendo a eterna e saudosa lição de Rui Babosa: “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto”.

 

Certamente, vão alegar que como ele permaneceu no cargo teria atingido o período para a aquisição da vitaliciedade, mesmo sem o exercício da função, da qual esteve afastado até 29/08/07. Isso não procede. É que ele se mostrou despreparado para o cargo ainda no período de estágio ou de observação, tanto que 15 dos 31 procuradores de justiça entenderam assim, ou seja, queriam excluí-lo do Ministério Público.

 

Portanto, a decisão adotada pelo órgão Especial do MP paulista, a nosso sentir, afrontou a Constituição Federal, o que coloca tal instituição acima da Lei, quando o próprio Supremo Tribunal Federal, interprete constitucional legítimo, já se manifestou, reiteradamente, no sentido de que “ninguém esta acima da lei”.

     



(1) https://www.terra.com.br/istoe/1845/1845_semana_datas.htm

(2) https://ultimainstancia.uol.com.br/noticia/41627.shtml