O Estado de Pernambuco foi condenado ontem, no STJ, a pagar dois milhões de reais por danos morais e materiais ao cidadão Marcos Mariano da Silva, de 58 anos, mantido preso ilegalmente por mais de 13 anos no Presídio Aníbal Bruno, em Recife (PE). O julgamento reconheceu tratar-se do “mais grave atentado à violação humana já visto na sociedade brasileira”.
Por unanimidade, os ministros reconheceram a extrema crueldade a que o cidadão foi submetido pelas instituições públicas. “Marcos Mariano foi preso sem inquérito, sem condenação alguma, e sem direito a nenhuma espécie de defesa”, sustentou o advogado José Afonso Bragança Borges.
“Foi simplesmente esquecido no cárcere, onde ficou cego dos dois olhos e submetido aos mais diversos tipos de constrangimento moral”. Além de ter contraído tuberculose na prisão, foi acusado de participar de diversas rebeliões, ficando inclusive mantido em um presídio de segurança máxima por mais de seis meses, sem direito a banho de sol.
“É o caso mais grave que já vi”, assinalou a ministra Denise Arruda. “Mostra simplesmente uma falha generalizada do Poder Executivo, do Ministério Público e do Poder Judiciário”.
Marcos foi preso em 27 de julho de 1985 e conseguiu o habeas-corpus em 25 de agosto de 1998. Segundo o advogado, a inocência do suposto réu só começou a ser discutida depois que o policial Roberto Galindo assumiu no presídio Aníbal Bruno e decidiu fazer um mutirão judicial para resolver os casos da penitenciária. “O assessor jurídico ficou espantado”, disse. “Não havia nada que justificasse a prisão, a não ser o encaminhamento de um simples ofício”.
“Esse homem morreu e assistiu sua morte no cárcere”,
afirmou o ministro Teori Zavaschi. “O pior é que não
teve período de luto”, prosseguiu consternado.
Marcos viu, durante o período em que permaneceu
na prisão, a desagregação de toda a família.
Então, casado e com onze filhos, em meados de 87, hoje não
lhe resta nada. Segundo o advogado, apenas uma pensão concedida
pelo Estado de Pernambuco por meio de de lei aprovada em junho deste
ano, no valor de R$ 1.200,00 mensais. Os filhos teriam se espalhado
mundo afora.
O advogado defendeu o valor pleiteado de seis milhões de reais. “Imaginem os filhos que cresceram injustamente com a imagem de um pai presidiário” – propôs. Os ministros consideraram esse caso ser muito pior do que o de um pai que perde um filho na porta de uma escola ou de torturas, por exemplo. Julgaram a questão “excepcionalíssima”, por ser um dos mais longos sofrimentos que o Estado impôs a um cidadão.
A ministra Denise Arruda realçou que Marcos Mariano
da Silva perdeu a capacidade de se movimentar, de ser um ser autônomo.
“Aqui não se trata de generosidade”, disse. “Aqui
se trata de um brasileiro que vai sobreviver não se sabe como”.
A primeira instância fixara o valor em R$ 356 mil. O TJ de Pernambuco
aumentou para dois milhões, o que foi mantido pelo STJ.
O ministro Luiz Fux, relator do processo, disse tratar-se
do “mais grave atentado à violação humana
já visto na sociedade brasileira”.
(Recurso Especial. n.º 802435 – com informações do
STJ).