Belo Horizonte – Nos últimos oito anos e três
meses, Wagno Lúcio da Silva, 41 anos, viveu atormentado pelo
sentimento de injustiça. Condenado a 23 anos de prisão
por um crime (latrocínio) que não cometeu, conforme reconheceu,
de forma unânime, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais
(TJ-MG), o ex-segurança foi solto no início da noite desta
terça-feira. A tão sonhada liberdade veio acompanhada
de uma súbita notoriedade. Wagno afirma que só pensa agora
em “reconstruir” sua vida. Nesta quarta-feira, seu advogado,
Dino Miraglia Filho, disse que nos próximos dias irá ajuizar
contra o Estado um pedido de indenização por danos morais
e materiais.
De volta a Congonhas (MG), sua cidade natal, o ex-segurança
foi recebido com festa – com direito a fogos de artifícios –
por uma multidão formada por familiares, amigos e até
pelo prefeito do município. Em 20 de outubro de 1997, ele foi
preso em casa, no bairro Matriz, acusado de, no dia anterior, matar
a facadas e roubar o taxista Rodolfo Cardoso Lobo. Era o dia do aniversário
de Wagno, que completava 33 anos. Ele apanhou dos policiais na frente
dos familiares e foi levado para a cadeia.
O ex-segurança conta que, no longo período
em que ficou preso, sofreu torturas e espancamentos para que confessasse
o crime. “Eu preferia morrer, mas não confessar uma coisa
que não fiz. Acho que as autoridades poderiam tomar mais precaução
para não estragar a vida de um cidadão dessa forma”,
desabafou.
Nesta quarta, Wagno participou de um culto numa igreja evangélica
e depois se emocionou ao reencontrar a filha e voltar à casa
onde morava até ser preso. Chorou ao abraçar a adolescente
Taís Fernanda do Nascimento, 11 anos, que não via há
quase quatro anos. “Eu fui preso quando minha filha tinha três
anos de idade. Não acompanhei o crescimento dela. A última
vez que eu a vi, ela tinha sete anos. Tá uma moçona grandona”.
Depois de condenado, o ex-segurança foi abandonado
pela mulher, Cleunice Pereira do Nascimento, de quem, garante, não
guarda mágoa. “Não posso culpá-la, não.
Ela era nova, na época ela tinha 23 anos e eu tinha 33. Foi influência
de colegas falando como é que ela ia esperar 20 anos…”,
disse, resignado.
Casa
A tristeza maior foi ao rever a antiga residência
depredada, tomada pelo mato. “Eu chorei, porque o sonho de um cidadão
é ter a sua casa própria e sua família. E eu levei
mais de dez anos para construir essa casa e quando eu cheguei aqui eu
não agüentei”.
Wagno, que estudou apenas até a quarta série do ensino
fundamental, considera-se o exemplo de que a Justiça tem que
“olhar mais para os pobres”. “A palavra das pessoas pobres
para a Justiça não vale nada, sabe”, reclamou.
No início da tarde, o ex-segurança ficou
frente a frente com o juiz da Comarca de Congonhas, Paulo Roberto Caixeta,
responsável pela sua condenação definitiva, em
1999. O magistrado disse que não tem peso na consciência
porque na época agiu de acordo com os autos e que o erro foi
do processo investigatório.
Dois anos após ser preso, Wagno quase foi morto na cadeia. Em
2002, um ex-colega de cela revelou que os verdadeiros autores do homicídio
pediram que ele tentasse matar o ex-segurança na cadeia.
Foi o ponto de partida para a reviravolta no caso, que
passou a ser acompanhado pelo ex-ministro da Secretaria Especial de
Direitos Humanos, Nilmário Miranda.
Para a condenação, a Justiça se
baseou no depoimento do então menor de idade e co-réu,
Wellington Azevedo de Paulo – hoje com 24 anos -, que apontou Wagno
como o autor do crime. No processo de revisão criminal, os desembargadores
concluíram que ficou comprovado que Wellington prestou um depoimento
falso e posteriormente apresentou nova versão dos fatos, apontando
como autores do crime outras duas pessoas: Salatiel de Souza Bragança,
o “Salada”, e Luciano de Paula e Silva, conhecido como “Dedeira”.
Segundo o juiz, apesar de já estarem presos por
outros crimes, os dois terão a prisão preventiva decretada
pelo latrocínio praticado contra o taxista. O magistrado informou
que reabriu o processo e irá determinar novas diligências.
Indenização
Em meio aos diversos pedidos de entrevistas e convites
para que seu cliente participe de programas de TV, o advogado Miraglia
Filho estuda o pedido de indenização pelo erro “grosseiro”
da Justiça. “Por danos materiais é tudo aquilo que
ele perdeu, deixou de auferir nesses anos que ele esteve, equivocadamente,
recolhido. Salário, a casa dele que foi destruída”,
explicou, admitindo que ainda não tem segurança quanto
ao dano moral.
“Quem vai medir isso? Quanto custa ficar oito anos
e meio na cadeia? Quanto custa não ver a filha desde que ela
tinha sete anos, quanto custa perder todos os dentes da boca? Eu não
tenho a menor idéia”.
Wagno, que está abrigado na casa de um tio, por enquanto só
espera por “coisas boas na vida”. “Pretendo reconstruir
minha vida de novo. Só Deus sabe o quanto é bom poder
respirar esse ar puro e mostrar que a Justiça foi feita”.
(www.estadao.com.br – 15/02/2006, Caderno Cidades)