deixou de observar à Constituição.
(publicado
no “Tribuna dos Advogados”, de Guarulhos, n.º 31, outubro de 2007,
p.02)
Edson
Pereira Belo da Silva, advogado, professor
de processo penal, autor de obras jurídicas inéditas, pós-graduado
em direito, Coordenador do Núcleo Guarulhos da Escola Superior de
Advocacia, membro da Comissão de Prerrogativas da OAB/SP, articulista,
conferencista e palestrante ([email protected]).
O órgão
Especial do Ministério Público do Estado de São Paulo, em julgamento
ocorrido no dia 29 de agosto de 2007, na sua sede, confirmou a decisão
do Conselho Superior da mesma Instituição que manteve a vitaliciedade
do Promotor de Justiça Thales Ferri Schoedl. Com isso, ele reveste-se do surreal
foro por prerrogativa da função, blindando-se. Além do que continuará
a receber os “merecidos” e intocáveis vencimentos, sem “mover uma
palha”.
Só para lembrar, o referido
promotor – agora vitalício – está sendo acusado pela Procuradoria
de Justiça do MP paulista de praticar um homicídio qualificado e uma
tentativa de homicídio, também qualificado, contra Diego Mendes Modanez,
20 anos (vítima fatal), e Felipe Siqueira Cunha de Souza, 21 anos
(sobrevivente), durante fútil discussão, em 30 de dezembro de 2004,
no Litoral Norte paulista.
As vítimas estavam desarmadas.
Àquela que sobreviveu foi alvejada com quatros disparos, sendo que
um dos projéteis ela ainda carrega no seu corpo, no fígado mais especificamente.
O promotor alega legítima defesa.
Preso em flagrante, sem algemas
e uniforme de presidiário, permaneceu ele no cárcere (Sala de Estado-Maior)
por quarenta e oito dias, pois o Tribunal de Justiça paulista, por
seu Órgão Especial, deferiu a liberdade provisória depois de retirar
a hediondez dos crimes a ele imputados. Em outras palavras, a Corte
de Justiça estadual afastou de plano a qualificadora de “motivo fútil”
(artigo 121, § 2.º, inciso II, do Código Penal) dos dois delitos,
tornando-os simples, não hediondo. Antecipou-se o julgamento.
Na época, a lei dos crimes hediondos
(n.º 8.072/90) vedava a concessão de liberdade em delitos dessa natureza,
de modo que essa foi uma forma teratológica que o Tribunal encontrou
de não deixar um promotor preso e, ao mesmo tempo, não abrir um precedente
jurisprudencial para os demais casos.
Um dos argumentos adotados pelo
Órgão Especial do TJ, para afastar a aludida qualificadora, diz respeito
ao fato de que “um homem que
tenha a sua mulher chamada de gostosa tem de reagir. A lei não obriga
ninguém a ser covarde (…) ninguém é obrigado a ouvir sem reação
gracejo desse porte (gostosa)”. (1)
A nosso sentir, o Tribunal de
Justiça agiu muito mais como um “Tribunal Político”. Encontrou-se,
na realidade, uma saída para livrar do cárcere um promotor de justiça
substituto, situação processual que tirava o sono do Ministério Público.
Vai se confirmando, paulatinamente, a máxima de que prisão é para…
A polícia, juntamente com o MP, consegue prender um dos maiores traficantes
do mundo, mas não mostrar a mesma eficiência para prender o ex-promotor
de justiça Igor Ferreira da Silva, fugitivo da Justiça, que matou
a esposa grávida. Como diz Caetano Veloso, “alguma coisa está fora
da ordem…”
O que agrava ainda mais a decisão
do Ministério Público Bandeirante é o fato de os procuradores de justiça,
do seu órgão Especial,
julgar a questão em exame secretamente, contrariando a própria razoabilidade,
posto serem eles vitalícios e “donos da ação penal”, ou seja, todos
eles não tinham ou tem o que temer. Estes servidores público ou agentes
políticos (também fiscais da lei), infelizmente, não podem exigir
publicidade nos votos dos parlamentares, pois não fizeram a “lição
de casa”.
Mas, a questão essencial que
se depreende do caso em tela é a manifesta inconstitucionalidade da
decisão proferida. Ora, a Constituição da Republica é clara: a vitaliciedade,
uma da garantias dos membros do Ministério Público, só é adquirida
após dois anos de exercício no cargo (artigo
128, § 5.º, inciso I, alínea “a”), sendo que para perder tal função
pública faz-se necessário uma decisão judicial com trânsito
Pelo que noticia à mídia desde
a data do evento delituoso, o promotor Thales, a época dos fatos,
contava com um ano e três meses (2) atuando efetivamente nessa função, faltando, portanto,
nove meses para alcançar a garantia da vitaliciedade, ontem referendada
pelos seus pares.
Conclui-se, dessa forma, que
no momento da pratica dos crimes, dos quais é acusado, o promotor
não era vitalício, podendo, pois, ser excluído dos quadros do MP,
sem a necessidade de sentença judicial transitada em julgado, como
chegou até acontecer, mas forças quase sobrenaturais os reconduziram
ao cargo dos vitaliciados. Isso deixa transparecer um imperialismo,
que também se manifesta no Judiciário.
Cargo vitalício não existe
Vale anotar uma situação surreal:
os juízes, representante do povo não eleitos, podem decretar a perda
do mandato daqueles que foram legitimamente eleitos, ao passo que
os membros do Legislativo ou do Executivo não possuem esse mesmo poder,
o que revela a existência de um “hiper poder”. Autonomia e harmonia
entre os três Poderes nunca existirá a persistir esse quadro surrealista.
O sistema como posto, só pode mesmo produzir
estas monstruosidades (excessos de injustiças, desigualdades sociais),
cujos governantes resistem em não mudar. Só mesmo revivendo a eterna
e saudosa lição de Rui Babosa: “De tanto ver
triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto
ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas
mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra,
a ter vergonha de ser honesto”.
Certamente, vão alegar que como ele
permaneceu no cargo teria atingido o período para a aquisição da vitaliciedade,
mesmo sem o exercício da função, da qual esteve afastado até 29/08/07.
Isso não procede. É que ele se mostrou despreparado para o cargo ainda
no período de estágio ou de observação, tanto que 15 dos 31 procuradores
de justiça entenderam assim, ou seja, queriam excluí-lo do Ministério
Público.
Portanto, a decisão adotada pelo órgão
Especial do MP paulista, a nosso sentir, afrontou a Constituição Federal,
o que coloca tal instituição acima da Lei, quando o próprio Supremo
Tribunal Federal, interprete constitucional legítimo, já se manifestou,
reiteradamente, no sentido de que “ninguém esta acima da lei”.
(1) https://www.terra.com.br/istoe/1845/1845_semana_datas.htm
(2) https://ultimainstancia.uol.com.br/noticia/41627.shtml