Edson Pereira Belo da
Silva
Pós-graduado em direito, advogado
01.
Considerações iniciais.
A
cada eleição, cresce o número de candidatos que concorrem ao pleito,
notadamente para os Legislativos dos Estados, Distrital e Câmara Federal,
isso devido, sobretudo, as infinidades de cadeiras a serem preenchidas.
Só para Câmara dos Deputados são 513, ao passo que nas Assembléias
Legislativas dos Estados, o número de vagas é altíssimo. Notem-se
as cinco maiores: São Paulo, 94; Minas Gerais, 77; Rio de Janeiro,
70; Bahia, 63; Rio Grade do Sul, 55; Paraná, 54. As menores Assembléias
possuem o mínimo de 24 cadeiras.
Nas
eleições de 2002, 18.880 candidatos disputaram 1.654 cargos, sendo
1.059 de deputados estaduais/distritais e os mesmos 513 de deputados
federais. 13.406 concorreram àquelas cadeiras destinadas às Assembléias,
enquanto que 4.901 buscaram as vagas da Câmara Federal. (1)
O
pleito eleitoral de 2006 mostrou, no cômputo geral, uma pequena diminuição
no número de registros de candidaturas em comparação a 2002 (18.880),
ou seja, somente 18.716 candidatos disputaram os 1.627 cargos eletivos,
majoritário e proporcional. No entanto, houve uma diminuição pouco
significativa nas candidaturas para deputados estaduais/distritais
(12.975). (2) Por outro lado, o número de candidatos para a Câmara Federal teve
um aumento relevante (5.303): 402 concorrentes a mais do que em 2002
(4.901).
Importante
assinalar, que nestas eleições (de 2006) os Estados só puderam escolher
um senador da República, uma vez que no pleito anterior (de 2002)
cada Unidade Federativa elegeu dois dos três senadores a que faz jus,
daí a singela redução no número de cargos eletivos, de 1.654 para
1.627.
Como
se pode perceber existe um número assombroso de cargos eletivos para
o Legislativo Federal e estadual/distrital, de modo que isso faz com
que muitos cidadãos se candidatem a eles imbuídos da louvável vontade
de bem representar o povo de seu Município, seja nas Assembléias dos
Estados ou Distrito Federal, seja em Brasília.
Ocorre,
entretanto, que centenas desses milhares de candidatos ao Poder Legislativo
– nacionalmente conhecidos – tiveram os registros de suas candidaturas
impugnados pelo Ministério Público Eleitoral, (3) sobremaneira por estarem respondendo a vários processos
criminais e ações de improbidade administrativa, inclusive já com
condenações em primeira instância. Apesar dos esforços de moralizar
as eleições, com a negativa de registro àqueles candidatos, prevaleceu
o entendimento final do Tribunal Superior Eleitoral, segundo o qual
todos gozam da presunção de inocência até o trânsito em julgado da
sentença condenatória.
Passadas
as eleições de 2006 para o Legislativo, dezenas dos referidos candidatos
conseguiram ser eleitos ou reeleitos, pelo que estão comemorando duplamente:
consideram-se absolvidos pelos eleitores que lhes outorgaram o primeiro
ou novo mandato; e conquistaram tão cobiçado foro por prerrogativa
da função.
Os
candidatos que não conseguiram se eleger ou reeleger, certamente tentarão
conquistar uma das 5.562 prefeituras (4) nas eleições para prefeitos
e vereadores de 2008, pois a maioria deles possui boas ideologias
ou intenções. Já uma considerada minoria ainda almeja o foro especial,
que, no caso de prefeitos, seria os Tribunais de Justiças dos respectivos
Estados.
Há
muito tempo que aqueles que gozam do foro especial, mais especificamente
os que possuem cargos eletivos, sabem muito bem como é diferente –
e na maioria das vezes faz muita diferença – ser julgado pelos Tribunais
de Justiça dos Estados ou do Distrito Federal, ou, ainda, pelas Cortes
Superiores (STF, stj), dependendo do cargo que ocuparem.
Oportuno, neste contexto e a título
de conhecimento, relacionar os foros especiais previstos na legislação
pátria.
02. Relação dos foros especiais dos três Poderes, do Ministério
Público e dos Militares.
Poder
Executivo:
Presidente e Vice-Presidente da República,
competência do Supremo Tribunal Federal (artigo 102, inciso I, alínea
“b”, da Constituição Federal).
Ministro de Estado, o STF (artigo 102,
inciso I, alínea “c”, da Constituição Federal).
Membros do Tribunal de Contas da União,
o STF (artigo 102, inciso I, alínea “c”, da CF).
Chefe de Missão Diplomática de Caráter
Permanente, o STF (artigo 102, inciso I, alínea “c”, da CF).
Governador, o Superior Tribunal de
Justiça (artigo 105, inciso I, alínea “a”, da CF).
Membros dos Tribunais de Contas dos
Estados e Municípios, o STJ (artigo 105, inciso I, alínea “a”, da
CF).
Vice-Governador, o Tribunal de Justiça
(ver Constituição Estadual ou Distrital).
Secretário
de Estado, nos crimes comuns, do TJ (ver Constituição do Estado) e,
nos crimes eleitorais, TRE (Jurisprudência do STF e TSE).
Prefeito, nas infrações penais comuns,
o TJ (artigo 29, inciso
X, da CF); nas infrações penais comuns contra a União, o Tribunal
Regional Federal (Jurisprudência do STF); e, nos crimes eleitorais,
o Tribunal Regional Eleitoral.
Poder
Legislativo:
Senador
e Deputado Federal, o STF (artigo 102, inciso I, alínea “b”, da CF).
Deputados
Estadual ou Distrital, TJ (ver
Constituição do Estado ou Distrital).
Poder
Judiciário:
Ministro
do Supremo Tribunal Federal, o próprio STF (artigo 102, inciso I,
alínea “b”, da CF).
Ministros
do STJ, TSE, TST e STM, também o STF (artigo 102, inciso I, alínea
“c”, da CF).
Juízes
do Tribunal Regional Eleitoral, nos crimes eleitorais, o Tribunal
Superior Eleitoral (artigo 22, inciso I, alínea “d”, do Código Eleitoral),
e nos crimes comuns, o STJ (artigo 105, inciso I, alínea “a”, da CF).
Juízes
Eleitorais, nos crimes eleitorais, o TRE (artigo 29, inciso I, alínea
“d”, do CE), e, nos crimes comuns, o TRF (Jurisprudência STF).
Juízes
do TRE, TRF e TRT, nos crimes comuns, o STJ (artigo 105, inciso I,
alínea “a”, da CF).
Juiz
Federal, da Justiça Militar e do Trabalho, nos crimes comuns e de
responsabilidade, o TRF (artigo 108, inciso I, alínea “a”, da CF),
e, nos crimes eleitorais, o TRE (artigo 108, inciso I, alínea “a”,
da CF).
Desembargador
do TJ, o STJ (artigo 105, inciso I, “a”, da CF);
Juiz
de Direito ou estadual, nos crimes comuns ou de responsabilidade,
o TJ (ver Constituição do Estado), e, nos crimes eleitorais, o TRE
(artigo 29, inciso I, alínea “d”, do CE).
Ministério
Público:
Procurador-Geral
da República, o STF (artigo 102, inciso I, alínea “b”, da CF).
Procurador
da República oficiando perante Tribunais, o STJ (artigo 105, inciso
I, “a”, da CF).
Procurador
da República oficiando na primeira instância, nos crimes comuns e
de responsabilidade, o TRF (artigo 108, inciso I, alínea “a”, da CF)
e, nos crimes eleitorais, o TRE (artigo 108, inciso I, “a”, da CF).
Procurador-Geral
de Justiça e Promotor de Justiça, nos crimes comuns, o TJ (ver Constituição
do Estado) e, nos crimes eleitorais, o TER.
Militares:
Comandantes
do Exército, Marinha e Aeronáutica, o STF (artigo 102, inciso I, alínea
“c”, da CF).
Policial
Militar, a Justiça Militar estadual (artigo 125, § 4.º, da CF e Constituição
do Estado).
Se
não bastasse o foro especial para todas essas autoridades, as Constituições
dos Estados ampliaram esse rol de agentes públicos (imortais) que
têm direito ao foro por prerrogativa de função. A do Estado de São
Paulo, por exemplo, em seu artigo 74, incisos I e II, garante foro
especial para: nas infrações penais comuns, o Procurador-Geral do
Estado e Defensor Público Geral; nas infrações penais comuns e nos
crimes de responsabilidade, para o Delegado Geral da Polícia Civil
e o Comandante-Geral da Polícia Militar.
São
tantas as pessoas com foro especial nas esferas estadual e federal,
que até parece ser essa a regra, enquanto o juízo comum (para os mortais)
a exceção.
03. O foro especial como à verdadeira cobiça dos muitos
parlamentares eleitos.
É
o ideal de todos os parlamentares, em princípio, bem representar a
sociedade, através de apresentação de projetos nos respectivos Parlamentos
e votando as leis que possam efetivamente melhorar a vida do povo,
assim como, por conseqüência, fazer com que o país cresça no cenário
internacional como uma nação onde impera a igualdade, a justiça social,
a efetiva distribuição de renda; enfim, exercer as atribuições e competências
delineadas pelos artigos
No
entanto, em relação a alguns dos novos membros dos Parlamentos da
União e dos Estados, vemos que esses ideais são apenas uma contumaz
retórica para alcançar o cargo eletivo. O principal escopo mesmo é
o foro especial. E também não é pra menos, só o fato de ser julgado
pelo Supremo Tribunal Federal ou Tribunal de Justiça, onde a influência
política é muito mais comum – além de ser levada em conta – desperta
o desejo daqueles eleitos ou reeleitos que querem ser ou continuar
sendo julgados de forma especial.
Após
a diplomação (vide artigos
53, § 2.º, da CF, e 14, §§ 1.º e 4.º da Carta de São Paulo, por exemplo),
transfere-se, automaticamente, a competência para a Corte Suprema
(deputados e senadores) ou Tribunais de Justiça (deputados estaduais/distritais)
as ações penais, até então em tramite no juízo comum, a que respondem
os novos legisladores. As investigações ou inquéritos policiais seguem
o mesmo destino.
Com
isso, aplica-se obrigatoriamente a regra da atualidade do mandato,
(5)
isto é, basta o eleito ou reeleito exercer o mandato conquistado –
a contar da diplomação – para poder usar das prerrogativas inerentes
ao cargo, cabendo ao Supremo Tribunal Federal e aos Tribunais dos
Estados somente expedir comunicação às respectivas Casas Legislativas.
Vale
ressaltar que as prerrogativas e imunidades dos parlamentares são
irrenunciáveis. Rui Barbosa asseverava que: “Tanto não são do Senador,
ou Deputado, as imunidades, que delas não é lícito abri mão. Da representação
poderá despir-se, demitindo do seu lugar no Congresso. Mas enquanto
o ocupar, a garantia de da sua liberdade aderirá inseparavelmente
ao representante, como a sombra ao próprio corpo, com a epiderme ao
tecido celular”. (6)
No mesmo sentido tem se posicionado o Pretório Excelso. (7)
É
evidente que aquele que conquistou o mandato parlamentar não irá renunciá-lo,
bem assim as suas prerrogativas, sobremaneira o foro por prerrogativa
da função.
Pois
bem. No caso dos congressistas, os Poderes Político e Jurisdicional
encontram-se concentrados num só lugar: em Brasília, “o centro de
todo poder”. De tal forma que os contatos, as influências, os acordos
são mais comuns e próprios do sistema. Portanto, com a mudança de
foro para a Corte Suprema dos processos, os parlamentares podem agir
à vontade – e por vezes sem pudor – no intuito de ser beneficiado,
de alguma forma, processualmente.
Tais
investidas ou assédios dos parlamentares aos membros dos Tribunais
são constantes, principalmente na capital da República, e isso não
é segredo algum; de sorte que, por possuir também um conteúdo político
em suas decisões, o Supremo Tribunal ou as Cortes dos Estados os recebe,
mantendo, contudo, a íntegra da sua indispensável imparcialidade.
Na
realidade, sequer é possível recusar as “visitas” dos parlamentares,
não só em razão das suas prerrogativas funcionais que isso permite,
mas, sobretudo, porque é dever dos representantes dos Três Poderes
manterem entre si um relacionamento harmônico como determina
a Constituição (artigo 2.º). Ademais, um Poder necessita do outro,
e vice-versa. Por exemplo, o Judiciário necessita de um bom relacionamento
com os membros do Parlamento (Federal ou do Estado) para que eles
votem favoravelmente os projetos de seu interesse.
Há
um forte, e inegável, relacionamento político entre os Três Poderes.
Razão pela qual é normal existir conteúdo político no julgamento do
parlamentar perante órgão jurisdicional colegiado. Em outras palavras,
é impossível excluir as questões políticas das decisões judiciais.
Os ensinamentos do professor Dalmo de Abreu Dallari (8)
são nessa linha:
“Os
juízes exercem atividade política em dois sentidos: por ser integrante
do aparato do Poder do Estado, que é uma sociedade política, e por
aplicarem normas de direitos, que são necessariamente políticas. Mas,
antes de tudo, o juiz é cidadão e nessa condição exerce o seu direito
de votar, o que não é desprezível quando se analisa o problema da
politicidade de suas decisões judiciais”.
Não
se sabe ao certo se isso bom ou ruim. O que se pode mesmo afirmar
é que o elemento político está impregnado nas principais instituições
sociais (Estado, Família, Igreja, Escola, Empresa) (9) ou, ainda, que ele marca intensamente o corpo social
como tatuagem.
Dito
isso, há que se observar a relevante diferença, mais benéfica e democrática,
dos procedimentos relativos aos processos penais de foro especial
para com aqueles reservados aos pobres “servos” e mortais regidos
pela norma processual comum ou geral.
A
Ação Penal Originária, de competência dos Tribunais (STF, STJ TRF
e tj), regida pelas Leis ns.º 8.038/90 e
8.658/93, é promovida pelo Procurador-Geral da República ou Procurador-Geral
de Justiça, ou ainda por seus substitutos legais, dependendo do cargo
público que ocupa o denunciado, “privilegiado” com a prerrogativa
de foro em razão da função.
Os
muitos principais pontos que diferenciam o rito da Lei n.º 8.038/90
(artigos 1.º a 12) do procedimento comum do Código de Processo Penal
(artigos
Na
Lei especial: (i) inicialmente, é escolhido um relator, na forma do Regimento Interno,
que será o magistrado da instrução, o qual adotará o CPP subsidiariamente
(artigo 2.º); (ii) apresentada a denúncia ou queixa, notifica-se o
acusado para respondê-la no prazo de 15 dias (artigo 4.º); (iii) após
sustentação oral de 15 minutos da partes, delibera o Tribunal sobre
o recebimento ou rejeição da peça acusatória, ou a sua improcedência
se a decisão não depender de outras provas (artigo 6.º, “caput”, e
§ 1.º); (iv) recebida a acusação, o relator designará data para o
interrogatório do acusado, bem como sua citação (artigo 7.º); (v)
o prazo para a defesa prévia é de 5 dias, o mesmo para requer-se diligências
(artigos 8.º e 10); (vi) encerrada a fase de instrução probatória,
passa-se as alegações finais escritas, 15 dias para cada parte (artigo
11), para só então a Corte respectiva dar inicio ao julgamento, nos
termos do seu Regimento Interno, observando, contudo, o prazo de 1
hora, sucessivo, para a sustentação oral do acusador e defensor (artigo12).
Rito
comum do CPP: (i) o acusado é citado para os termos do processo e intimado
para o seu interrogatório (artigo 394), para, só após este último,
apresentar defesa prévia, arrolar testemunhas, no prazo de 3 dias
(artigo 395); (ii) com ou sem as alegações escritas ou rol de testemunha,
prossegue-se o feito penal com a oitiva das testemunhas arroladas
pelas partes (artigos
Depreende-se
dessa modesta exposição, de ambos os procedimentos processuais, o
quanto é verdadeiramente democrático o rito processual da Lei n.º
8.038/90, ao passo que o procedimento comum do Código de Processo
Penal é, no mínimo, vergonhoso ou nada republicano.
Na
primeira situação (da lei especial), denota-se que o procedimento
está em perfeita consonância com a Constituição Federal, possibilitando
ao acusado o efetivo exercício da amplitude de defesa, principalmente
em órgão colegiado (Tribunal). Portanto, esse processo, constitucionalmente
democrático, da mencionada lei foi criado, especificamente, para o
acusado de foro especial.
Já
a segunda situação (o CPP), mostra-se em desacordo com a aludida Carta
Política, além de ser completamente injusta, pois o seu rito é curto,
com prazos exíguos correndo em cartório (artigo 500), além de não
possuir àquela relevante fase preliminar anterior ao eventual recebimento
da denúncia. Até bem pouco tempo dispensava-se defensor no interrogatório.
Enfim, a nosso pensar, o processo do acusado comum, ou seja, sem “privilégio”
do foro, é fascista, criado para acelerar a condenação.
A
celeridade é um dos principais princípios processuais, que deve mesmo
ser muito bem observado pela Lei e pelo Judiciário, sobretudo. Com
efeito, vejo como inconstitucional e manifesta injustiça à busca dessa
celeridade a qualquer preço, sobrepondo-se a outras valiosas garantias
constitucionais e princípios do processo, (10)
como, “verbis gratia”, a igualdade entre as partes e a isonomia entre
os acusados nos processo crimes, isto é, o parlamentar que praticar
um crime comum deve responder perante o juízo singular, assim como
o acusado comum, devendo eles gozarem do rito processual democratizado
(Lei n.º 8.038/90).
Percebendo
que será julgado por um colegiado (de ministros ou desembargadores)
e com várias oportunidades de defender-se amplamente, o parlamentar
lança mão dos seus “tentáculos políticos” para, de alguma forma, obter
resultado favorável ou menos doloroso no julgado por crime comum.
Jamais
poderemos afirmar que isso tenha ocorrido no caso do falecido deputado
estadual, Coronel Ubiratan, acusado de comandar a “massacre do Carandiru”,
até porque carecemos de elementos probatórios. Todavia, causou estranheza
a toda comunidade jurídica o fato de o Tribunal de Justiça paulista
interpretar o veredicto condenatório do Tribunal do Júri – que havia
condenado o citado militar – no sentido de que os jurados quiseram,
na realidade, absolver e não condenar, resultando daí na absolvição
que impressionou todos.
Deveria
o Tribunal de Justiça Bandeirante ter anulado o julgamento como manda
a lei processual penal, determinando que o réu se sujeitasse a novo
julgamento, o que preservaria, certamente, a soberania dos veredictos
do Conselho de Sentença.
Ainda,
em relação ao foro especial, também impressionou a grande maioria
dos profissionais do direito o fato de órgão
especial da Corte de Justiça de São Paulo
ter recebido a denúncia promovida contra o promotor Thales Ferri Schoedl
– que matou um jovem e tentou matar outro, isso em dezembro de 2004
no Litoral paulista – somente como homicídio e tentativa de homicídio,
ambos simples (sem as qualificadoras que constavam da denúncia), concedendo
ainda, na mesma oportunidade, liberdade provisória para o acusado,
(11)
o qual ainda integra os quadros do Ministério Público Piratininga.
O
foro por prerrogativa da função parece ser mesmo uma “caixinha de
surpresa”. Cada Ministro, cada Desembargador costuma ter entendimento
diverso quanto à denúncia ou queixa e os seus fundamentos, sendo raras
as situações em que ela recebida ou rejeitada por unanimidade. Enquanto
isso o acusado desprovido do foro especial tem a sua denuncia recebida,
na sua integralidade, por um simples “carimbo” ou “carimbaço”, onde
consta tão-somente um espaço para a serventia agendar a data da audiência.
Em suma, todo este quadro de absurdo privilégio – que parece não ter fim
– nos faz reviver um celebre poema de Gonçalves Dias (1823-1864),
“Canção do Exílio”:
“Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá…”
A Constituição Federal
deixa claro que todo o poder emana do povo, podendo ele ser exercido
direitamente ou por meio de representantes (artigo 1.º, parágrafo
único). Destarte, a forma mais comum pelo qual a população manifesta
o exercício desse poder é a representação.
Outorga
a sociedade um mandato político a determinadas pessoas, oriundas do
seu meio, que se predispõem, em síntese, a buscar o bem comum de todos
e atender os fins sociais que a lei posta se destina. Mas nem por
isso a população deve ser deixada de lado logo após o recebimento
do mencionado mandato político, como ocorre há décadas. O nosso regime
democrático adotado pela nossa Federação e esculpido na nossa Lei
Maior, exige que o governo do povo seja feito, realmente, pelo povo
e para o povo, e não apenas para seus representantes, como se depreende
da atualidade, deixando transparecer a maioria deles que a coisa (“res”)
deixou de ser pública e tornou-se particular, o que certamente descaracterizaria
a nossa República Federativa.
Participatividade
efetiva na aplicação direita da Justiça não é um sonho ou uma utopia
para a população como eventualmente se possa cogitar, mas uma realidade.
O Tribunal do Júri nesse aspecto, por exemplo, reflete o princípio
democrático desejado pela Constituição da República, onde o povo deve
dizer o direito, ou seja, aplica diretamente a Justiça ao caso em
concreto.
Esse Tribunal Popular,
no Brasil, é composto por sete pessoas tiradas do seio social, as
quais, além de ecléticas, são de classes distintas (negro, pardo,
amarelo e branco), possuem condições financeiras variadas, assim como
uma gama de conhecimento formada também, e especialmente, na experiência
de vida.
O Júri, sim, possibilita
a participação do povo, o qual representa de forma direita o Poder
Judiciário. Não temos dúvidas de que chegou o momento de se ampliar
à competência dessa milenar instituição para julgar mais tipos penais
(12)
e os processos de responsabilidade civil estatal, sendo que atualmente
ela está encarregada de julgar somente os crimes dolos contra a vida
(homicídio, auxílio e instigação ao suicídio, aborto e infanticídio),
infelizmente.
Não tem sentido algum
o parlamentar ou aquele que exerce cargo eletivo – eleito diretamente
pelo povo –, que comete um delito comum, homicídio, por exemplo, venha
ser julgado pelo Tribunal e não pelos eleitores. Dessa forma, com
a ampliação da competência do Tribunal Popular para julgar outros
delitos, assim como o fim do “foro privilegiado” para os eleitos pelo
voto direito, que praticam delitos comuns e de responsabilidade, estaremos
colocando as coisas nos seus devidos lugares.
Importante asseverar,
que inexistem razões para que os agentes públicos ou políticos, mais
especificamente os que exercem cargos eletivos, venham a lutar pela
mantença do foro especial e coibir qualquer ato ou manifestação tendente
a suprimir tal “privilegio”.
Enquanto vários acusados
estiverem usufruindo de foros judiciais diversos (STF, STJ, TRF, TJ),
ferindo gravemente a isonomia, sob a nosso simplória ótica, a impunidade
só tende a crescer, até por que o que mais falta nas decisões judiciais
é razoabilidade.
(1) Dados colhidos contidos no “site”
do Tribunal Superior Eleitoral, www.tse.gov.br.
“Relatório das Eleições de
(2) Dados do TSE, Eleições 2006, acesso também 14-10-2006.
(3) Informações publicadas no “site” do
Ministério Público Federal, www.mpf.gob.br,
em 07-08-2006, onde consta um “link” que dá acesso à lista de todas
as candidaturas impugnadas. Acesso
em 14-10-2006.
(4) Essa quantidade de Municípios consta
do “site” da Confederação Nacional dos Municípios, www.cnm.org.br. Acesso em 14-10-2006.
(5) Alexandre de Moraes. “Constituição
do Brasil interpretada e legislação constitucional”. 1.ª ed. 2.ª
tiragem. São Paulo: Atlas, 2002. p. 1020.
(6) “Comentários à constituição federal do brasil. São Paulo:
Saraiva, 1933, t. 2, p 42.
(7) RTJ 155/399. Voto da lavrado Ministro Celso de Mello.
(8) “O poder dos juízes”. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 85.
(9) Eva Maria Lakatos. “Sociologia geral”.
6.ª ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 1990, p. 168.
(10) Ada Pellegrini Grinover. “Os princípios
constitucionais e o código de processo civil. São Paulo: Bushatsky,
1975. p. 25: “O direito de ação e defesa liga-se teologicamente
ao princípio da isonomia. A igualdade perante a lei é premissa para
a afirmação da igualdade perante o juiz’.
(11) Informações colhidas do “site” www.noticias.terra.com.br,
publicada em 16 de fevereiro de 2005. Acesso em 23 de outubro de
2006.
(12) Edson Pereira Bel da Silva. “Tribunal do Júri: ampliação de
sua competência para julgar os crimes dolosos contra a vida”. São
Paulo: Iglu, 2006. p 51.
Email – [email protected]