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Postado por admin em 15/mar/2016 -

(artigo publicado no “site” www.oabguarulhos.org.br, em 10-11-2006).

 

Edson Pereira Belo da Silva

Pós-graduado em direito, advogado em São Paulo, membro da Comissão de Direitos e Prerrogativas da OAB-SP, conferencista, palestrante e articulista.

 

01. Considerações iniciais.

 

A cada eleição, cresce o número de candidatos que concorrem ao pleito, notadamente para os Legislativos dos Estados, Distrital e Câmara Federal, isso devido, sobretudo, as infinidades de cadeiras a serem preenchidas. Só para Câmara dos Deputados são 513, ao passo que nas Assembléias Legislativas dos Estados, o número de vagas é altíssimo. Notem-se as cinco maiores: São Paulo, 94; Minas Gerais, 77; Rio de Janeiro, 70; Bahia, 63; Rio Grade do Sul, 55; Paraná, 54. As menores Assembléias possuem o mínimo de 24 cadeiras.

 

Nas eleições de 2002, 18.880 candidatos disputaram 1.654 cargos, sendo 1.059 de deputados estaduais/distritais e os mesmos 513 de deputados federais. 13.406 concorreram àquelas cadeiras destinadas às Assembléias, enquanto que 4.901 buscaram as vagas da Câmara Federal. (1)

 

O pleito eleitoral de 2006 mostrou, no cômputo geral, uma pequena diminuição no número de registros de candidaturas em comparação a 2002 (18.880), ou seja, somente 18.716 candidatos disputaram os 1.627 cargos eletivos, majoritário e proporcional. No entanto, houve uma diminuição pouco significativa nas candidaturas para deputados estaduais/distritais (12.975). (2) Por outro lado, o número de candidatos para a Câmara Federal teve um aumento relevante (5.303): 402 concorrentes a mais do que em 2002 (4.901).

 

Importante assinalar, que nestas eleições (de 2006) os Estados só puderam escolher um senador da República, uma vez que no pleito anterior (de 2002) cada Unidade Federativa elegeu dois dos três senadores a que faz jus, daí a singela redução no número de cargos eletivos, de 1.654 para 1.627.  

Como se pode perceber existe um número assombroso de cargos eletivos para o Legislativo Federal e estadual/distrital, de modo que isso faz com que muitos cidadãos se candidatem a eles imbuídos da louvável vontade de bem representar o povo de seu Município, seja nas Assembléias dos Estados ou Distrito Federal, seja em Brasília.

 

Ocorre, entretanto, que centenas desses milhares de candidatos ao Poder Legislativo – nacionalmente conhecidos – tiveram os registros de suas candidaturas impugnados pelo Ministério Público Eleitoral, (3) sobremaneira por estarem respondendo a vários processos criminais e ações de improbidade administrativa, inclusive já com condenações em primeira instância. Apesar dos esforços de moralizar as eleições, com a negativa de registro àqueles candidatos, prevaleceu o entendimento final do Tribunal Superior Eleitoral, segundo o qual todos gozam da presunção de inocência até o trânsito em julgado da sentença condenatória.

 

Passadas as eleições de 2006 para o Legislativo, dezenas dos referidos candidatos conseguiram ser eleitos ou reeleitos, pelo que estão comemorando duplamente: consideram-se absolvidos pelos eleitores que lhes outorgaram o primeiro ou novo mandato; e conquistaram tão cobiçado foro por prerrogativa da função.

 

Os candidatos que não conseguiram se eleger ou reeleger, certamente tentarão conquistar uma das 5.562 prefeituras (4) nas eleições para prefeitos e vereadores de 2008, pois a maioria deles possui boas ideologias ou intenções. Já uma considerada minoria ainda almeja o foro especial, que, no caso de prefeitos, seria os Tribunais de Justiças dos respectivos Estados.

Há muito tempo que aqueles que gozam do foro especial, mais especificamente os que possuem cargos eletivos, sabem muito bem como é diferente – e na maioria das vezes faz muita diferença – ser julgado pelos Tribunais de Justiça dos Estados ou do Distrito Federal, ou, ainda, pelas Cortes Superiores (STF, stj), dependendo do cargo que ocuparem.  

Oportuno, neste contexto e a título de conhecimento, relacionar os foros especiais previstos na legislação pátria.

 

 

02. Relação dos foros especiais dos três Poderes, do Ministério Público e dos Militares.

 

Poder Executivo:

 

Presidente e Vice-Presidente da República, competência do Supremo Tribunal Federal (artigo 102, inciso I, alínea “b”, da Constituição Federal).

Ministro de Estado, o STF (artigo 102, inciso I, alínea “c”, da Constituição Federal).

Membros do Tribunal de Contas da União, o STF (artigo 102, inciso I, alínea “c”, da CF).

Chefe de Missão Diplomática de Caráter Permanente, o STF (artigo 102, inciso I, alínea “c”, da CF).

Governador, o Superior Tribunal de Justiça (artigo 105, inciso I, alínea “a”, da CF).

Membros dos Tribunais de Contas dos Estados e Municípios, o STJ (artigo 105, inciso I, alínea “a”, da CF).

Vice-Governador, o Tribunal de Justiça (ver Constituição Estadual ou Distrital).

Secretário de Estado, nos crimes comuns, do TJ (ver Constituição do Estado) e, nos crimes eleitorais, TRE (Jurisprudência do STF e TSE).

Prefeito, nas infrações penais comuns, o TJ (artigo 29, inciso X, da CF); nas infrações penais comuns contra a União, o Tribunal Regional Federal (Jurisprudência do STF); e, nos crimes eleitorais, o Tribunal Regional Eleitoral.

 

 

Poder Legislativo:

 

Senador e Deputado Federal, o STF (artigo 102, inciso I, alínea “b”, da CF).

Deputados Estadual ou Distrital, TJ (ver Constituição do Estado ou Distrital).

 

Poder Judiciário:

 

Ministro do Supremo Tribunal Federal, o próprio STF (artigo 102, inciso I, alínea “b”, da CF).

Ministros do STJ, TSE, TST e STM, também o STF (artigo 102, inciso I, alínea “c”, da CF).

Juízes do Tribunal Regional Eleitoral, nos crimes eleitorais, o Tribunal Superior Eleitoral (artigo 22, inciso I, alínea “d”, do Código Eleitoral), e nos crimes comuns, o STJ (artigo 105, inciso I, alínea “a”, da CF).

Juízes Eleitorais, nos crimes eleitorais, o TRE (artigo 29, inciso I, alínea “d”, do CE), e, nos crimes comuns, o TRF (Jurisprudência STF).

Juízes do TRE, TRF e TRT, nos crimes comuns, o STJ (artigo 105, inciso I, alínea “a”, da CF).

Juiz Federal, da Justiça Militar e do Trabalho, nos crimes comuns e de responsabilidade, o TRF (artigo 108, inciso I, alínea “a”, da CF), e, nos crimes eleitorais, o TRE (artigo 108, inciso I, alínea “a”, da CF).

Desembargador do TJ, o STJ (artigo 105, inciso I, “a”, da CF);

Juiz de Direito ou estadual, nos crimes comuns ou de responsabilidade, o TJ (ver Constituição do Estado), e, nos crimes eleitorais, o TRE (artigo 29, inciso I, alínea “d”, do CE).

 

Ministério Público:

Procurador-Geral da República, o STF (artigo 102, inciso I, alínea “b”, da CF).

Procurador da República oficiando perante Tribunais, o STJ (artigo 105, inciso I, “a”, da CF).

Procurador da República oficiando na primeira instância, nos crimes comuns e de responsabilidade, o TRF (artigo 108, inciso I, alínea “a”, da CF) e, nos crimes eleitorais, o TRE (artigo 108, inciso I, “a”, da CF).

Procurador-Geral de Justiça e Promotor de Justiça, nos crimes comuns, o TJ (ver Constituição do Estado) e, nos crimes eleitorais, o TER.

 

Militares:

 

Comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica, o STF (artigo 102, inciso I, alínea “c”, da CF).

Policial Militar, a Justiça Militar estadual (artigo 125, § 4.º, da CF e Constituição do Estado).

 

Se não bastasse o foro especial para todas essas autoridades, as Constituições dos Estados ampliaram esse rol de agentes públicos (imortais) que têm direito ao foro por prerrogativa de função. A do Estado de São Paulo, por exemplo, em seu artigo 74, incisos I e II, garante foro especial para: nas infrações penais comuns, o Procurador-Geral do Estado e Defensor Público Geral; nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, para o Delegado Geral da Polícia Civil e o Comandante-Geral da Polícia Militar.

 

São tantas as pessoas com foro especial nas esferas estadual e federal, que até parece ser essa a regra, enquanto o juízo comum (para os mortais) a exceção.

 

03. O foro especial como à verdadeira cobiça dos muitos parlamentares eleitos.

 

É o ideal de todos os parlamentares, em princípio, bem representar a sociedade, através de apresentação de projetos nos respectivos Parlamentos e votando as leis que possam efetivamente melhorar a vida do povo, assim como, por conseqüência, fazer com que o país cresça no cenário internacional como uma nação onde impera a igualdade, a justiça social, a efetiva distribuição de renda; enfim, exercer as atribuições e competências delineadas pelos artigos 44 a 52, da Carta da República.

 

No entanto, em relação a alguns dos novos membros dos Parlamentos da União e dos Estados, vemos que esses ideais são apenas uma contumaz retórica para alcançar o cargo eletivo. O principal escopo mesmo é o foro especial. E também não é pra menos, só o fato de ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal ou Tribunal de Justiça, onde a influência política é muito mais comum – além de ser levada em conta – desperta o desejo daqueles eleitos ou reeleitos que querem ser ou continuar sendo julgados de forma especial.

 

Após a diplomação (vide artigos 53, § 2.º, da CF, e 14, §§ 1.º e 4.º da Carta de São Paulo, por exemplo), transfere-se, automaticamente, a competência para a Corte Suprema (deputados e senadores) ou Tribunais de Justiça (deputados estaduais/distritais) as ações penais, até então em tramite no juízo comum, a que respondem os novos legisladores. As investigações ou inquéritos policiais seguem o mesmo destino.  

 

Com isso, aplica-se obrigatoriamente a regra da atualidade do mandato, (5) isto é, basta o eleito ou reeleito exercer o mandato conquistado – a contar da diplomação – para poder usar das prerrogativas inerentes ao cargo, cabendo ao Supremo Tribunal Federal e aos Tribunais dos Estados somente expedir comunicação às respectivas Casas Legislativas.

 

Vale ressaltar que as prerrogativas e imunidades dos parlamentares são irrenunciáveis. Rui Barbosa asseverava que: “Tanto não são do Senador, ou Deputado, as imunidades, que delas não é lícito abri mão. Da representação poderá despir-se, demitindo do seu lugar no Congresso. Mas enquanto o ocupar, a garantia de da sua liberdade aderirá inseparavelmente ao representante, como a sombra ao próprio corpo, com a epiderme ao tecido celular”. (6) No mesmo sentido tem se posicionado o Pretório Excelso. (7)  

    

É evidente que aquele que conquistou o mandato parlamentar não irá renunciá-lo, bem assim as suas prerrogativas, sobremaneira o foro por prerrogativa da função.

 

Pois bem. No caso dos congressistas, os Poderes Político e Jurisdicional encontram-se concentrados num só lugar: em Brasília, “o centro de todo poder”. De tal forma que os contatos, as influências, os acordos são mais comuns e próprios do sistema. Portanto, com a mudança de foro para a Corte Suprema dos processos, os parlamentares podem agir à vontade – e por vezes sem pudor – no intuito de ser beneficiado, de alguma forma, processualmente.

 

Tais investidas ou assédios dos parlamentares aos membros dos Tribunais são constantes, principalmente na capital da República, e isso não é segredo algum; de sorte que, por possuir também um conteúdo político em suas decisões, o Supremo Tribunal ou as Cortes dos Estados os recebe, mantendo, contudo, a íntegra da sua indispensável imparcialidade.

 

Na realidade, sequer é possível recusar as “visitas” dos parlamentares, não só em razão das suas prerrogativas funcionais que isso permite, mas, sobretudo, porque é dever dos representantes dos Três Poderes manterem  entre si um relacionamento harmônico como determina a Constituição (artigo 2.º). Ademais, um Poder necessita do outro, e vice-versa. Por exemplo, o Judiciário necessita de um bom relacionamento com os membros do Parlamento (Federal ou do Estado) para que eles votem favoravelmente os projetos de seu interesse.   

 

Há um forte, e inegável, relacionamento político entre os Três Poderes. Razão pela qual é normal existir conteúdo político no julgamento do parlamentar perante órgão jurisdicional colegiado. Em outras palavras, é impossível excluir as questões políticas das decisões judiciais. Os ensinamentos do professor Dalmo de Abreu Dallari (8) são nessa linha:

“Os juízes exercem atividade política em dois sentidos: por ser integrante do aparato do Poder do Estado, que é uma sociedade política, e por aplicarem normas de direitos, que são necessariamente políticas. Mas, antes de tudo, o juiz é cidadão e nessa condição exerce o seu direito de votar, o que não é desprezível quando se analisa o problema da politicidade de suas decisões judiciais”.

 

Não se sabe ao certo se isso bom ou ruim. O que se pode mesmo afirmar é que o elemento político está impregnado nas principais instituições sociais (Estado, Família, Igreja, Escola, Empresa) (9) ou, ainda, que ele marca intensamente o corpo social como tatuagem.

 

Dito isso, há que se observar a relevante diferença, mais benéfica e democrática, dos procedimentos relativos aos processos penais de foro especial para com aqueles reservados aos pobres “servos” e mortais regidos pela norma processual comum ou geral.   

A Ação Penal Originária, de competência dos Tribunais (STF, STJ TRF e tj), regida pelas Leis ns.º 8.038/90 e 8.658/93, é promovida pelo Procurador-Geral da República ou Procurador-Geral de Justiça, ou ainda por seus substitutos legais, dependendo do cargo público que ocupa o denunciado, “privilegiado” com a prerrogativa de foro em razão da função.

 

Os muitos principais pontos que diferenciam o rito da Lei n.º 8.038/90 (artigos 1.º a 12) do procedimento comum do Código de Processo Penal (artigos 24 a 62, 394 a 405, 498 a 502, 513 a 518), são os seguintes:

 

Na Lei especial: (i) inicialmente, é escolhido um relator, na forma do Regimento Interno, que será o magistrado da instrução, o qual adotará o CPP subsidiariamente (artigo 2.º); (ii) apresentada a denúncia ou queixa, notifica-se o acusado para respondê-la no prazo de 15 dias (artigo 4.º); (iii) após sustentação oral de 15 minutos da partes, delibera o Tribunal sobre o recebimento ou rejeição da peça acusatória, ou a sua improcedência se a decisão não depender de outras provas (artigo 6.º, “caput”, e § 1.º); (iv) recebida a acusação, o relator designará data para o interrogatório do acusado, bem como sua citação (artigo 7.º); (v) o prazo para a defesa prévia é de 5 dias, o mesmo para requer-se diligências (artigos 8.º e 10); (vi) encerrada a fase de instrução probatória, passa-se as alegações finais escritas, 15 dias para cada parte (artigo 11), para só então a Corte respectiva dar inicio ao julgamento, nos termos do seu Regimento Interno, observando, contudo, o prazo de 1 hora, sucessivo, para a sustentação oral do acusador e defensor (artigo12).            

 

Rito comum do CPP: (i) o acusado é citado para os termos do processo e intimado para o seu interrogatório (artigo 394), para, só após este último, apresentar defesa prévia, arrolar testemunhas, no prazo de 3 dias (artigo 395); (ii) com ou sem as alegações escritas ou rol de testemunha, prossegue-se o feito penal com a oitiva das testemunhas arroladas pelas partes (artigos 396 a 405); (iii) encerrada a inquirição das referidas testemunhas, começa a fluir o prazo de 24 horas para eventuais pedidos de diligências; (iv) esgotado esse o último prazo, tem-se início aquele para as alegações finais das partes, 3 dias sucessivos (artigo 500).

Depreende-se dessa modesta exposição, de ambos os procedimentos processuais, o quanto é verdadeiramente democrático o rito processual da Lei n.º 8.038/90, ao passo que o procedimento comum do Código de Processo Penal é, no mínimo, vergonhoso ou nada republicano.

 

Na primeira situação (da lei especial), denota-se que o procedimento está em perfeita consonância com a Constituição Federal, possibilitando ao acusado o efetivo exercício da amplitude de defesa, principalmente em órgão colegiado (Tribunal). Portanto, esse processo, constitucionalmente democrático, da mencionada lei foi criado, especificamente, para o acusado de foro especial.  

 

Já a segunda situação (o CPP), mostra-se em desacordo com a aludida Carta Política, além de ser completamente injusta, pois o seu rito é curto, com prazos exíguos correndo em cartório (artigo 500), além de não possuir àquela relevante fase preliminar anterior ao eventual recebimento da denúncia. Até bem pouco tempo dispensava-se defensor no interrogatório. Enfim, a nosso pensar, o processo do acusado comum, ou seja, sem “privilégio” do foro, é fascista, criado para acelerar a condenação.

 

A celeridade é um dos principais princípios processuais, que deve mesmo ser muito bem observado pela Lei e pelo Judiciário, sobretudo. Com efeito, vejo como inconstitucional e manifesta injustiça à busca dessa celeridade a qualquer preço, sobrepondo-se a outras valiosas garantias constitucionais e princípios do processo, (10) como, “verbis gratia”, a igualdade entre as partes e a isonomia entre os acusados nos processo crimes, isto é, o parlamentar que praticar um crime comum deve responder perante o juízo singular, assim como o acusado comum, devendo eles gozarem do rito processual democratizado (Lei n.º 8.038/90).

 

Percebendo que será julgado por um colegiado (de ministros ou desembargadores) e com várias oportunidades de defender-se amplamente, o parlamentar lança mão dos seus “tentáculos políticos” para, de alguma forma, obter resultado favorável ou menos doloroso no julgado por crime comum.

 

Jamais poderemos afirmar que isso tenha ocorrido no caso do falecido deputado estadual, Coronel Ubiratan, acusado de comandar a “massacre do Carandiru”, até porque carecemos de elementos probatórios. Todavia, causou estranheza a toda comunidade jurídica o fato de o Tribunal de Justiça paulista interpretar o veredicto condenatório do Tribunal do Júri – que havia condenado o citado militar – no sentido de que os jurados quiseram, na realidade, absolver e não condenar, resultando daí na absolvição que impressionou todos.

 

Deveria o Tribunal de Justiça Bandeirante ter anulado o julgamento como manda a lei processual penal, determinando que o réu se sujeitasse a novo julgamento, o que preservaria, certamente, a soberania dos veredictos do Conselho de Sentença.

 

Ainda, em relação ao foro especial, também impressionou a grande maioria dos profissionais do direito o fato de órgão especial da Corte de Justiça de São Paulo ter recebido a denúncia promovida contra o promotor Thales Ferri Schoedl – que matou um jovem e tentou matar outro, isso em dezembro de 2004 no Litoral paulista – somente como homicídio e tentativa de homicídio, ambos simples (sem as qualificadoras que constavam da denúncia), concedendo ainda, na mesma oportunidade, liberdade provisória para o acusado, (11) o qual ainda integra os quadros do Ministério Público Piratininga.        

 

O foro por prerrogativa da função parece ser mesmo uma “caixinha de surpresa”. Cada Ministro, cada Desembargador costuma ter entendimento diverso quanto à denúncia ou queixa e os seus fundamentos, sendo raras as situações em que ela recebida ou rejeitada por unanimidade. Enquanto isso o acusado desprovido do foro especial tem a sua denuncia recebida, na sua integralidade, por um simples “carimbo” ou “carimbaço”, onde consta tão-somente um espaço para a serventia agendar a data da audiência.

Em suma, todo este quadro de absurdo privilégio – que parece não ter fim – nos faz reviver um celebre poema de Gonçalves Dias (1823-1864), “Canção do Exílio”:

“Minha terra tem palmeiras,

Onde canta o Sabiá;

As aves que aqui gorjeiam,

Não gorjeiam como lá…”

 

04. A troca do foro especial pelo julgamento do Júri Popular (o eleitor) verdadeiro dono do Poder.

 

A Constituição Federal deixa claro que todo o poder emana do povo, podendo ele ser exercido direitamente ou por meio de representantes (artigo 1.º, parágrafo único). Destarte, a forma mais comum pelo qual a população manifesta o exercício desse poder é a representação.

       Outorga a sociedade um mandato político a determinadas pessoas, oriundas do seu meio, que se predispõem, em síntese, a buscar o bem comum de todos e atender os fins sociais que a lei posta se destina. Mas nem por isso a população deve ser deixada de lado logo após o recebimento do mencionado mandato político, como ocorre há décadas. O nosso regime democrático adotado pela nossa Federação e esculpido na nossa Lei Maior, exige que o governo do povo seja feito, realmente, pelo povo e para o povo, e não apenas para seus representantes, como se depreende da atualidade, deixando transparecer a maioria deles que a coisa (“res”) deixou de ser pública e tornou-se particular, o que certamente descaracterizaria a nossa República Federativa.

          Participatividade efetiva na aplicação direita da Justiça não é um sonho ou uma utopia para a população como eventualmente se possa cogitar, mas uma realidade. O Tribunal do Júri nesse aspecto, por exemplo, reflete o princípio democrático desejado pela Constituição da República, onde o povo deve dizer o direito, ou seja, aplica diretamente a Justiça ao caso em concreto.

Esse Tribunal Popular, no Brasil, é composto por sete pessoas tiradas do seio social, as quais, além de ecléticas, são de classes distintas (negro, pardo, amarelo e branco), possuem condições financeiras variadas, assim como uma gama de conhecimento formada também, e especialmente, na experiência de vida.

O Júri, sim, possibilita a participação do povo, o qual representa de forma direita o Poder Judiciário. Não temos dúvidas de que chegou o momento de se ampliar à competência dessa milenar instituição para julgar mais tipos penais (12) e os processos de responsabilidade civil estatal, sendo que atualmente ela está encarregada de julgar somente os crimes dolos contra a vida (homicídio, auxílio e instigação ao suicídio, aborto e infanticídio), infelizmente.

Não tem sentido algum o parlamentar ou aquele que exerce cargo eletivo – eleito diretamente pelo povo –, que comete um delito comum, homicídio, por exemplo, venha ser julgado pelo Tribunal e não pelos eleitores. Dessa forma, com a ampliação da competência do Tribunal Popular para julgar outros delitos, assim como o fim do “foro privilegiado” para os eleitos pelo voto direito, que praticam delitos comuns e de responsabilidade, estaremos colocando as coisas nos seus devidos lugares.

Importante asseverar, que inexistem razões para que os agentes públicos ou políticos, mais especificamente os que exercem cargos eletivos, venham a lutar pela mantença do foro especial e coibir qualquer ato ou manifestação tendente a suprimir tal “privilegio”.

Enquanto vários acusados estiverem usufruindo de foros judiciais diversos (STF, STJ, TRF, TJ), ferindo gravemente a isonomia, sob a nosso simplória ótica, a impunidade só tende a crescer, até por que o que mais falta nas decisões judiciais é razoabilidade.       



(1) Dados colhidos contidos no “site” do Tribunal Superior Eleitoral, www.tse.gov.br. “Relatório das Eleições de 2002”, acesso em 14-10-2006.

(2) Dados do TSE, Eleições 2006, acesso também 14-10-2006.

(3) Informações publicadas no “site” do Ministério Público Federal, www.mpf.gob.br, em 07-08-2006, onde consta um “link” que dá acesso à lista de todas as candidaturas impugnadas.  Acesso em 14-10-2006.

(4) Essa quantidade de Municípios consta do “site” da Confederação Nacional dos Municípios, www.cnm.org.br. Acesso em 14-10-2006.   

(5) Alexandre de Moraes. “Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional”. 1.ª ed. 2.ª tiragem. São Paulo: Atlas, 2002. p. 1020.

(6) “Comentários à constituição federal do brasil. São Paulo: Saraiva, 1933, t. 2, p 42.

(7) RTJ 155/399. Voto da lavrado Ministro Celso de Mello.

(8) “O poder dos juízes”. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 85.

(9) Eva Maria Lakatos. “Sociologia geral”. 6.ª ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 1990, p. 168.

(10) Ada Pellegrini Grinover. “Os princípios constitucionais e o código de processo civil. São Paulo: Bushatsky, 1975. p. 25: “O direito de ação e defesa liga-se teologicamente ao princípio da isonomia. A igualdade perante a lei é premissa para a afirmação da igualdade perante o juiz’.

(11) Informações colhidas do “site” www.noticias.terra.com.br, publicada em 16 de fevereiro de 2005. Acesso em 23 de outubro de 2006.

(12) Edson Pereira Bel da Silva. “Tribunal do Júri: ampliação de sua competência para julgar os crimes dolosos contra a vida”. São Paulo: Iglu, 2006. p 51.

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