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Postado por admin em 15/mar/2016 -

(publicado no “site” http://www.oabguarulhos.org.br. em 21-06-2006)

Edson Pereira Belo da Silva

Advogado em São Paulo, pós-graduado em direito e membro da Comissão de Direitos e Prerrogativas da OAB-SP.


          1. Introdução.

          A Justiça tem sexo e cor? Eis aí uma pergunta que não quer calar. E ela ressurge com mais força após a publicação da Pesquisa 2005 realizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB, sob a brilhante coordenação da renomada Professora Maria Tereza Sadek. Lembramos, desde logo, que tal Pesquisa encontra-se ainda disponível no “site” da referida Associação (www.amb.com.br).

          Em meio a inúmeras denúncias, como, por exemplo, de nepotismo, de receber altíssimos vencimentos, de beneficiar determinados grupos políticos e econômicos, etc., o Judiciário brasileiro, através da aludida Pesquisa, revela uma situação alarmante que parece impossível de ser modificada: a predominância maciça do sexo masculino e da cor branca no exercício do poder jurisdicional.

          Essa hegemonia de sexo e cor, em um dos principais Poderes da nação, depõe, sobretudo, contra o Estado Democrático, isso por que se despreza um dos princípios fundamentais da nossa Constituição da República (artigo 1.º, parágrafo único), qual seja, a representatividade e participação popular no exercício do poder, o qual emana do próprio povo. Daí a necessidade de ele estar inserido na aplicabilidade da Justiça.

          Analisemos a Pesquisa para abstrairmos uma conclusão.

          2. O sexo da Justiça.

          Os números apresentados na Pesquisa de fôlego em referência, a nosso ver, respondem tranquilamente essa indagação, que, há muito, carecia de uma reposta fundada em dados sólidos advindos, sobremaneira, da própria instituição que representa os magistrados em nível nacional. Nesse contexto, a AMB deve receber os elogios pela iniciativa e coragem por ter, principalmente, dado publicidade a Pesquisa que realizou.


          Retomando o tema proposto, percebemos claramente da sobredita Pesquisa (tabelas 4 e 5, p. 6) que as mulheres ainda são minorias no Poder Judiciário. Os resultados demonstram que mais de 3/4 dos magistrados brasileiros são do gênero masculino, alcançando uma predominância de 77,6%. Esse mesmo gênero é ainda maior na Segunda Instância (Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais), com 87,4%; e nos Tribunais superiores (Supremo Tribunal Federal – STF, Superior Tribunal de Justiça – STJ, Tribunal Superior Eleitoral – TSE, Tribunal Superior do Trabalho – TST e Superior Tribunal Militar – STM), chega a 94,4%.

          Ainda em relação aos Tribunais superiores é oportuno enfatizar que duas dessas Cortes, Eleitoral (TSE) e Militar (TSM), não possuem integrantes do gênero feminino, ou seja, todos os seus Ministros são do gênero masculino. O TSE é composto por sete ministros (artigo 119, da CF), ao passo que o STM compõe-se com 15 ministros (artigo 123, da CF). Importante asseverar, nesse contexto, que em nenhum desses citados dispositivos há uma ressalva para que os ministros sejam, exclusivamente, do gênero masculino, até por que isso negaria o princípio da isonomia consagrado pela mesma Carta Política.

          Em todos os níveis do Poder Judiciário, o gênero feminino – magistrada – está mais presente nos Juizados Especiais (antigo Juizados de Pequenas Causas), com 37,1%. Daí em diante os porcentuais de representatividade feminina só despencam: 24,8% no Juízo de 1.º Grau, 12,6% no Juízo 2.º Grau e 5,5% nos Tribunais superiores. Surge então mais uma indagação: Qual será a razão para as mulheres possuir uma representação expressiva nos Juizados Especiais e quase nenhuma nos Tribunais superiores? Será apenas machismo ou temor de perder espaço?

          Quando a Pesquisa analisa essa mesma situação por Regiões, nota-se que o quadro é muito mais alarmante. Vejamos: na Região Sudeste do país, cujos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) consideram-se alto e médio-alto, é de 20,8% a representatividade feminina, contra 79,2% do gênero masculino; enquanto que na Região Centro-Oeste, de iguais IDH, esse porcentual cai para 15,3%, contra 84,7% dos homens (tabelas 3 e 5, p. 5 e 6).

          Na realidade, tais indicadores das duas Regiões citadas acima soam como um contra-senso quando comparados com os da Região Nordeste. Nessa Região, onde os índices de Desenvolvimento Humano é baixo e médio-baixo, a representação feminina na magistratura é um dos mais altos entre as demais Regiões, 24,8%, contra 75,2%; perdendo somente para a Região Norte que, com o IDH que varia de baixo a médio-alto, possui 31,8% (tabelas 3 e 5, p. 5 e 6).

          Como visto, nas duas Regiões mais sofridas do país – vítimas das políticas sulista e capitalista de todos os Governos, que sofrem e enfrentam os maiores problemas sociais, notadamente os das áreas de educação, saúde e segurança – o gênero feminino possui maior representatividade na magistratura nacional.

          Oportuno assinalar, nesse passo, que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), após realizar o Censo demográfico de 2000, concluiu que 50,8% da nossa população constituí-se de mulheres, contra 49.2% de homens. O interessante nisso, no entanto, é que os últimos três Censos também apontaram essa pequena vantagem em relação ao gênero feminino. Note-se: Censo de 1980, 50,31%, contra 49,68%; Censo de 1990, 50,63%, contra 49,36%; Censo de 1996, 50,69%, contra 49,30%.

          3. A cor da Justiça.

          Os números dessa mesma Pesquisa (tabela 8, p. 8) mostram que a maioria expressiva dos juízes brasileiros, no plano geral, tanto os ativos como os aposentados, são da cor branca, cuja presença é de 86,5%. Na seqüência, aparecem os pardos, com 11,6%. Amarelos, negros e vermelhos possuem uma representação bastante reduzida: 0,9%, 0,9% e 0,1%, respectivamente. Esta distribuição é ligeiramente diferente quando se distingue os respondentes segundo a situação funcional, se ativo ou inativo.

          Os juízes aposentados que se declararam brancos são 88,8%, ao passo que se declaram: pardos, 9,6%; negros, 0,9%; amarelos, 0,6%; vermelhos, 0,1%.
A diferença entre os números dos magistrados ativos ou inativos, sob a nossa ótica, pode ser tida como muito inexpressiva. Notem-se, “verbi gratia”, que em relação aos que se declararam negros, tais números não se modificaram, permanecendo com o índice de 0,9%, seja para os ativos, seja para os aposentados. Isso nos conduz a presumir que existe mesmo uma profunda dificuldade – ou, talvez, ausência de vontade – na inclusão ou incorporação de grupos não brancos na magistratura brasileira.

          Quando a Pesquisa (tabela 9, p. 9) é cotejada do ponto de vista geográfico, isto é, por Região, percebe-se que a situação é mais “vergonhosa”. A predominância é branca nas Regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, com o 96,5%, 92,7%, e 84,9% respectivamente. Já nas demais Regiões do país, Norte e Nordeste, os números são um pouco mais democráticos: 72,0% de brancos para aquela e 70,9% para esta.

          Do outro lado, ainda por Região geográfica, o número de magistrados declarados negros é decepcionante e desanimador. Na Região Sul, com 0,2%, podemos dizer que quase não existe juiz da cor negra. No Sudeste e no Norte a representação negra é de 0,8% para cada. É só nas Regiões Nordeste (com 1,7%) e Centro-Oeste (com 1,0%) que se chega à casa de um ponto porcentual. Números esses que, de igual forma, são muito inexpressivos.

          Os demais magistrados ativos e aposentados declaram-se também: pardos, 11,6%; amarelos 0,9%; vermelhos, 0,1% (vide tabela 9, p. 9).

          Vê-se, portanto, subsistir a supremacia de cor branca no Poder Judiciário. Isso não é nada republicano, a nosso ver; valendo ressaltar, contudo, que os números gerais do IBGE, sob a cor da população brasileira, dão conta que somos: 53,7% de brancos, 38,5% de pardos, 6,2% de negros, 0,5% de amarelos 0,4% de índios e 0,7% ignorados (tabela 11, p. 9).

          Ainda no que concerne aos números do IBGE, confrontando com os resultados censitários de 1991 e 2000, observa-se que diminuiu a proporção de pessoas que se declararam pardas e aumentou a de negras, o que pode ser um indicativo de mudança nos padrões de identificação e de autoclassificação do brasileiro. Nesse período, a taxa média de crescimento da população de cor branca foi de 2,12%, da negra 4,17% e da parda 0,53%.

          As mesmas fontes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística revelam que: “Em 2000, pelas declarações fornecidas pela população do País, 91.298.042 (53,7%) consideraram-se brancos, 10.554.336 (6,2%) pretos, 761.583 (0,5%) amarelos, 65.318.092 (38,4%) pardos e 734.127 (0,4%) indígenas. E ainda, segundo os números dos censos, a proporção de pessoas que se declararam brancas declinou de 1940 (63,5%) até 1991 (51,6%), e em 2000 essa proporção apresentou ligeiro crescimento (para 53,7%). A proporção da população preta, que vinha caindo também desde 1940 (14,6%), apresentou um crescimento na sua proporção, passando de 5%, em 1991, para 6,2% em 2000. Em contrapartida, a proporção da população de pardos, que vinha crescendo desde 1940 (21,2%), atinge, em 1991, a proporção de 42,4% e cai para 38,4% em 2000. A proporção da população indígena passou de 0,20%, em 1991, para 0,43% em 2000”.

          Apesar do número da população branca ter caído em 12,1% em 51 anos, de 1940 a 1991, e o da não branca ter subido consideravelmente no mesmo período, vislumbra-se que essa mudança substancial – aumento considerado de não brancos – tivesse surtido algum efeito na composição dos membros do Judiciário digno de ser notado. Será que é a perpetuação dos brancos nesse Poder?

          4. O Tribunal do Júri como alternativa a esse modelo e críticas.

          A Constituição Federal deixa claro que todo o poder emana do povo, podendo ele ser exercido direitamente ou por meio de representantes (artigo 1.º, parágrafo único). Destarte, a forma mais comum pelo qual a população manifesta o exercício desse poder é a representação.

          Outorga a sociedade um mandato político a determinadas pessoas, oriundas do seu meio, que se predispõem, em síntese, a buscar o bem comum de todos e atender os fins sociais que a lei posta se destina. Mas nem por isso a população deve ser deixada de lado logo após o recebimento do mencionado mandato político, como ocorre há décadas.
O nosso regime democrático adotado pela nossa Federação e esculpido na nossa Lei Maior, exige que o governo do povo seja feito, realmente, pelo povo e para o povo, e não apenas para seus representantes, como se depreende da atualidade, deixando transparecer a maioria deles que a coisa (“res”) deixou de ser pública e tornou-se particular, o que certamente descaracterizaria a nossa República Federativa.

          Na seara do Poder Judiciário não se é possível eleger representantes para o exercício da atividade jurisdicional, o que, para nós, depõe contra a democracia. Pensamos dessa forma, por que o sistema adotado pela mesma Constituição que diz pertencer ao povo todo o poder, ao contrário de outros países, adotou um sistema específico para escolha dos membros que efetivamente aplicaram a Justiça: o concurso público de provas ou de provas e títulos (artigo 37, inciso II, da CF).

          Ocorre, entretanto, que o acesso à magistratura tem sido possível principalmente, como visto na pesquisa, para homens e, sobretudo, brancos. E as razões são varias. A começar pela educação – hoje direito social – que, por séculos, sempre foi um privilégio dos homens que se consideram brancos, classe dominante desde o Império. A dificuldade das demais classes e do gênero feminino de se ter acesso ao conhecimento, que por muito tempo foi monopolizado, resultou, portanto, nessa superioridade descolorida e masculina no Judiciário brasileiro.

          As discriminações por sexo e cor, como indiretamente citamos no parágrafo anterior, também pode ser tida como uma outra razão, cuja qual sempre se tentou ocultar.

          O preconceito contra os não brancos (negros, pardos e índios) sempre foi uma realidade nesse país, a ponto de se criar uma lei penal especial (de n.º 7. 716/89) para combater tais preconceitos. A população não branca, até hoje, se considera excluída ou esquecida pelas políticas governamentais.

          As mulheres, do mesmo modo, não são só discriminadas, como ainda se inserem na citada política de exclusão social patrocinada pelo governo, também de homens e de brancos.

          Vale ressaltar, contudo, que a culpa não é dos juízes, do gênero masculino e branco, senão de um longo sistema sócio-político resistente a mudanças. Os magistrados que aí estão foram aprovados sob as regras do aludido sistema, de forma que não devemos responsabilizá-los por isso.

          Participatividade efetiva na aplicação direita da Justiça não é um sonho ou uma utopia para a população como eventualmente se possa cogitar, mas uma realidade. O Tribunal do Júri nesse aspecto, por exemplo, reflete o princípio democrático desejado pela Constituição da República, onde o povo deve dizer o direito, ou seja, aplica diretamente a Justiça ao caso em concreto.

          Esse Tribunal Popular, no Brasil, é composto por sete pessoas tiradas do seio social, as quais, além de ecléticas, são de classes distintas (negro, pardo, amarelo e branco), possuem condições financeiras variadas, assim como uma gama de conhecimento formada também, e especialmente, na experiência de vida.
O Júri, sim, possibilita a participação do povo, o qual representa de forma direita o Poder Judiciário. Não tenho dúvida de que chegou o momento se ampliar a competência dessa milenar instituição para julgar mais tipos penais e os processos de responsabilidade civil estatal, sendo que atualmente ela está encarregada de julgar somente os crimes dolos contra a vida (homicídio, auxílio e instigação ao suicídio, aborto e infanticídio), infelizmente.

          É esse o melhor caminho para se atingir a democracia plena: o povo no poder. Pois, se esperarmos que as políticas sociais dos governos se materializem, aliadas as mudanças radicais nos conceitos ortodoxos dos examinadores do concurso para a magistratura, surtam os efeitos almejados pelo gênero feminino e os não brancos, não tenho dúvidas de que padeceremos, suportando essa gritante supremacia masculina e branca na Justiça.

          A predominância de sexo e cor ora comento tem levado a população a pensar ou questionar se essas decisões – prestação jurisdicional – proferidas pela Justiça são verdadeiramente imparciais, haja vista que, por ser ela cega, beneficia determinadas pessoas, grupos políticos e econômicos, além de possuir uma enorme dificuldade de “cortar na própria carne”, prevalecendo o corporativismo. Também não seria o caso de os juízes serem julgados pelo Tribunal Popular quando acusados de cometerem crimes? Claro que sim, mas isso só é para os pobres mortais, por enquanto.

          A Justiça atual é implacável com quem é acusado de furtar um pacote de manteiga, xampus e coisas insignificantes, enquanto que, com pessoas acusadas de cometeram crimes tidos como hediondos e graves, age diferentemente, concedendo até liberdade provisória, “verbi gratia”:
(i) o caso do promotor de justiça que é acusado de matar um e tentar matar outro na cidade de Praia Grande, São Paulo, em dezembro de 2004, por motivos banais;
(ii) o caso da Suzana Richithofen, acusada de arquitetar a morte dos pais juntamente com outras pessoas, que obteve liberdade provisória, por muitas vezes negadas aos acusados de subtrair um pote de manteiga ou coisas de irrisório valor se comparado com o bem jurídico liberdade;

          Em outras palavras, a Justiça da atualidade é severa ao extremo com os carentes de recursos financeiros, com os não brancos na maioria das situações, mas deixa muito a desejar em relação aos ricos, políticos e governantes, tanto que dessa corrupção política que assola o país há quase um ano, denominada de “mensalão”, ninguém ainda foi preso ou condenando.

          Não existem duas ou mais Justiça. Ela é uma só, de sorte que deve ser aplicada a todos, indistintamente. Se o promotor de justiça e a Suzana Richithofen, acima citados, foram beneficiados com a liberdade provisória em crimes hediondo e grave, qual a razão para negar-se esse mesmo benefício legal a quem furtou um pote de manteiga no valor de R$ 3,10 (fato esse notório e que chocou o país no mês de março de 2006).

          Por mais técnica ou explicável que seja a questão, o povo – o dono de todo o poder – não a compreende; porém, frise-se novamente, passa a duvidar da imparcialidade da Justiça, composta, na sua grande maioria, de homens e brancos.

          Importante assinalar, que muitos dos magistrados, quase todos, estão distante da população e à sua maioria sequer residem na comarca, como determina a Carta Maior (artigo 93, inciso VII). Ora, se até os advogados enfrentam dificuldades para conversar com os juízes, bem como para encontrá-los nos fins de semana e feriados no intuito de despachar algo urgente, logo nada deve esperar o povo, a quem os julgadores representam ou deveriam representar.

          É preciso, urgentemente, alteramos esse absurdo quadro em que um dos principais Poderes do Estado, o Judiciário, é monopolizado pelo homem que se considera branco, conforme demonstrou a Pesquisa da AMB 2005, cuja qual embasa os nossos simplórios argumentos.

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