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Postado por admin em 15/dez/2015 -

O polêmico e complexo processo do “Mensalão”, (1) finalmente, está na iminência de ser julgado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal – STF. Tudo indica que isso ocorrerá no próximo mês de agosto de 2012, após longos sete anos de persecução penal. As pressões políticas, da opinião pública, enfim de todos os lados, crescem substancialmente, sobretudo em razão das eleições municipais que também se avizinha. Parece que se o julgamento não ocorrer agora não ocorrerá jamais.

Desde logo, é preciso enfatizar que ficou evidente não possuir o STF condições mínimas (tempo, estrutura material, etc.) sequer para processar e julgar ações penais decorrentes do foro por prerrogativa da função (CF, artigo 102, I). Aliás, é consenso entre os constitucionalistas que o papel exclusivo da Corte Constitucional é a guarda da Constituição da Federal (CF, artigo 102).

Dessa forma, ao processar e julgar originariamente determinadas autoridades públicas, o STF é desvirtuado da sua finalidade precípua de interprete último da Lei Maior para órgão judicial comum, julgador de infrações penais praticadas por certos agentes públicos. E ao exercer essa irrazoável e ilógica competência, o STF atrai para si o risco de violar a própria Constituição que deveria guardar, como é comum também acontecer em ações penais originárias.

No caso do “Mensalão”, antes mesmo de designar a data do julgamento, àquela Suprema Corte já vem adotando algumas providências formais para imprimir celeridade, bem como realizado reuniões para encontrar soluções visando o adiamento do julgamento, segundo noticia a mídia. (2) E os advogados, novamente e para não perder o costume, são a bola da vez.

Pelo que se lê dos periódicos, a Corte Suprema está se preparando para impedir e rechaçar qualquer atitude ou comportamento dos defensores dos acusados no intuito de adiar o referido julgamento. E, para tanto, já está adotando algumas medidas – claramente inconstitucionais – como, por exemplo, ter nomeado cinco defensores públicos, os quais estão estudando os autos, para, eventualmente, substituir os advogados constituídos que não comparecerem ao julgamento, seja lá por qual motivo for.

Pois bem, é um direito elementar de todo cidadão, alvo da persecução penal, escolher o advogado de sua confiança para patrocinar a sua defesa, conforme se encontra previsto expressamente no artigo 263 do Código de Processo Penal – CPP e em convenções internacionais ratificadas pelo Brasil, como o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de Nova Iorque (artigo 14, n.º 3, ‘d’) e o Pacto de San José da Costa Rica (artigo 8.º, n.º 2, ‘d’).

A substituição do defensor constituído é de competência exclusiva do seu constituído, ou seja, somente o cliente pode destituir o advogado que constituiu para sua defesa, bastando simplesmente revogar o mandato outorgado. Descabe, portanto, ao Poder Judiciário interferir na relação entre advogado e cliente, salvo quando o magistrado considerar o acusado indefeso, devendo assim aplicar o artigo 497, inciso V, do Código de Processo Penal – CPP.

Ocorrendo esta hipótese ou a renúncia expressa do advogado aos poderes outorgados, o julgador concederá dez dias de prazo ao acusado para constituir novo advogado (artigos 44 e 45, do Código de Processo Civil – CPC). Caso o acusado permaneça inerte, ao juiz só restará nomear defensor público ou dativo (artigos 261 e 263, do CPP) para prosseguimento da causa.

O direito do cidadão, investigado ou acusado, de escolher o defensor de sua confiança é tema há muito pacificado pela doutrina. Só para realçar esta afirmação, citemos J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, para quem o arguido tem o direito à escolha do defensor (ou defensores) e não apenas direito à assistência de defensor. Segundo eles, tal direito justifica-se, com base da ideia de que o arguido não é objeto de um ato estadual, mas sujeito do processo, com direito a organizar a sua própria defesa. (3)

Por sua vez, o próprio STF possui inúmeros julgados reconhecendo esse direito fundamental do cidadão acusado, que é um natural desdobramento do princípio da ampla defesa (CF, artigo 5.º, inciso LV), o qual integra a garantia do devido processo legal (CF, artigo 5.º, inciso LIV). Em outros termos, vale dizer que a jurisprudência do Pretório Excelso é uníssona no sentido de reconhecer ao acusado o direito de escolher livremente o seu advogado para promover a sua defesa.

Assevera o Ministro Celso de Mello do aludido Supremo Tribunal, nesse contexto, notadamente no voto proferido no HC n.º 67.755 – SP, (4) que “é jurisprudência assente nesta Corte que, tendo o réu advogado constituído, não se lhe poderá dar defensor dativo sem a sua anuência, antes de intimá-lo a constituir novo advogado”. No mesmo sentido, HC n.º 86.26-CE e HC n.º 91501-RJ, ambos do mesmo STF.

Como visto, a intenção da Suprema Corte em, eventualmente, substituir os advogados constituídos pelos os acusados por defensores públicos, casos aqueles não compareçam ao julgamento do “Mensalão”, esbarra na sua própria jurisprudência de duas décadas.

Ademais, por possuir o direito de confiar a sua defesa ao advogado de sua livre escolha, o cidadão acusado, por outro lado, não está obrigado aceitar ou concordar com o patrocínio do defensor público ou dativo, uma vez que tal defensor público pode não lhe inspirar confiança defensiva, até porque se o acusado quisesse ser defendido pela Defensoria Pública – que presta relevante serviço constitucional, ressalte-se – não teria ele constituído advogado de sua confiança.

O STF e seus onze ministros, felizmente, não possuem poderes divinos e nem tampouco são adivinhos, para antever todas as situações que poderão ocorrer no dia do julgamento do “Mensalão”. E o mais lamentável desse fato é notar que a Corte Constitucional tende a contrariar à Constituição da República, violando o devido processo legal, em especial, apenas para julgar, a todo custo, o maior processo crime de sua história.

Esse processo do “Mensalão”, cujo julgamento é tão esperado pela Sociedade brasileira, de fato, não poderia sequer ter demorado tanto, correndo o risco, inclusive, da incidência da prescrição penal de alguns delitos. Diante disso, também, deve se exercer toda celeridade possível para julgar logo tal processo (penal e “político”), evitando-se, assim, mais descredito à imagem da Justiça com a possível impunidade ou injustiça.

Destarte, apesar disso tudo, o que se espera realmente é a realização de um julgamento onde sejam observados, na sua integralidade, os preceitos constitucionais, sobremaneira os já interpretados e reinterpretados por aqueles onze juízes constitucionais. O papel do STF, no processo em referência, é no mínimo duplo: julgar agentes públicos com foro especial e respeitar o extenso rol de princípios, direitos e garantias fundamentais, haja vista que suas decisões interlocutórias, no curso do julgamento, e a própria sentença poderão nortear outros julgamentos coletivo e individual.

Importante assinalar, ainda, que a história do nosso Tribunal Constitucional – e não poderia ser diferente – demonstra que ele tem sabido lhe dar com as pressões naturais decorrentes dos casos complexos que julga. De igual forma, quase a totalidade dos seus ministros são experientes o suficiente, principalmente quanto aos interesses políticos externos, para não permitir que o clamor social, a opinião pública e outras circunstâncias venham contaminar este histórico julgamento.

Quanto aos advogados e os representantes do Ministério Público, estes devem contribuir significativamente para que os ministros do STF, dentro dos estritos limites constitucionais, possam entregar ao povo brasileiro mais uma prestação jurisdicional, a qual escreverá para sempre – espera-se que positivamente – mais um Capítulo na história democrática do Brasil.

Concluindo esse singelo artigo, é de todo oportuno sempre ressaltar que o único interesse a ser observado e atendido pelo Supremo Tribunal Federal, no nosso modelo de Estado Democrático e de Direito, é o da Constituição Federal. Esta sim deve ser atendida na sua plenitude. Os demais interesses (de partidos políticos, das associações, da mídia, etc.) devem ser interpretados apenas como exercício da liberdade de manifestação do pensamento (artigo 5.º, inciso IV, CF).